Conheça Quantic Dream, a empresa focada em narrativa interativa

A empresa encabeçada pelo francês David Cage trouxe ao mundo ótimos jogos narrativos, e eles não pretendem parar.



A Quantic Dream é um estúdio de games francês comandada pelo David Cage, escritor e designer, fundada em 1997. Nesses mais de 20 anos de existência não foram lançados muitos títulos, mas, com certeza, esses poucos foram o suficiente para marcar o estúdio no coração dos fãs, principalmente com seus ótimos dramas interativos. E nesse especial quero mostrar a sua trajetória, desde seu início com o DreamCast até o jogo mais moderno no PlayStation 4, então vamos lá.

O começo com Omikron

Talvez esse não seja um nome muito familiar a você, mas a Quantic Dream começou sua trajetória com um adventure para PC (hoje via Steam) e Dreamcast chamado Omikron: The Nomad Soul, publicado pela Eidos Interactive em 1999. Esse game é um projeto bem ambicioso para a época, levando o jogador a uma jornada para salvar um mundo futurista chamado Omikron.

Na narrativa mítica e tecnológica de The Nomad Soul assumimos o controle (literalmente) de uma agente investigativo Kay'l 669, que pede, quebrando a quarta parede, para assumirmos seu corpo e passar por um portal para seu mundo. Agora precisamos investigar alguns assassinatos misteriosos em uma trama envolvendo organizações anti-governo e até demônios em Omikron. Coisas bem típicas para David Cage.



Além dessa narrativa cinematográfica nada convencional, ele também é muito peculiar em suas mecânicas, mesclando muitos elementos de outros gêneros como de luta para os combates corpo a corpo, a câmera em primeira pessoa para os tiroteios, ou a terceira para exploração. Essa grande mistura não agradou todo mundo nos anos 2000, mas ele possui méritos consideráveis, como a participação de David Bowie (1947 - 2016) escrevendo a trilha sonora, usando músicas exclusivas, ajudando com a história e com a dublagem de alguns personagens.


Desconforto sobrenatural

Esse é o período que a desenvolvedora deixou bem claro que tipo de experiência queria dar aos seus jogadores: uma narrativa cinematográfica que se alterna de acordo com a suas escolhas de diálogos e ações. O primeiro título dessa leva é talvez o mais polêmico de todos eles, lançado na 5ª geração.

Fahrenheit (ou Indigo Prophecy, como foi conhecido em algumas partes do ocidente) foi lançado em 2005 e publicado pela Atari para PC, PS2 e Xbox. A primeira tentativa da Quantic em trazer um grande drama interativo mesclando momentos de ação, investigação e coisas macabras, deu muito certo.



A narrativa aqui não é muito simples, começando com Lucas, o primeiro protagonista, se mutilando com uma faca no meio de um transe em um banheiro de uma lanchonete, até que chega outro homem, e o nosso personagem o mata. Agora acordado, ele vê todo o sangue em suas mãos, dele e do outro cara, e é sua escolha como reagir aqui. O jogador pode esconder o corpo, lavar o sangue do chão e de si e tentar sair normalmente, ou até não fazer nada disso e ir embora.

Mas de qualquer forma o corpo será achado, com isso os outros dois protagonistas aparecem, os agentes de investigação policial Carla Valenti e o sargento Tyler Miles. Isso dá uma dinâmica bem interessante na narrativa, onde queremos livrar Lucas desse problema, e ao mesmo tempo ajudar os policiais a descobrir o que está acontecendo.



Todos os três personagens são controláveis, e boa parte de suas ações são feitas através de um minigame de apertar botões, deixando de lado a salada de mecânicas do jogo passado. Então você pode ir ao banheiro, bater no saco de areia, ouvir música, ou mesmo namorar, e essas ações te relaxam e isso é uma coisa importante, pois você não possui uma barra de vida aqui e sim uma de estresse, e se ela aumentar muito, o personagem em questão pode até se matar.
Como uma obra-prima atemporal, mesmo nos dias de hoje Indigo Prophecy consegue se sobressair, e muito. Se você jogou Heavy Rain, e gostou, e ainda não teve a oportunidade de jogar Indigo Prophecy, não perca tempo, jogue. Será uma das melhores experiências no mundo dos games que você terá, e não será novidade se você gostar deste jogo até mais do que de Heavy Rain. A nível de curiosidade, vale dizer que, ao que tudo indica, o novo jogo da Quantic Dream, Beyond, promete retomar muito mais da estrutura da aventura sobrenatural de Indigo Prophecy do que o próprio Heavy Rain, tomando em nota positiva os avanços técnicos e artísticos conseguidos depois do sucesso das suas séries.

(Samuel Coelho, em Blast from the Past para o PlayStationBlast)


A chuva cai e sua fama subiu alto

O próximo título, assim como os próximos (por enquanto), são exclusivos da Sony, e esse com certeza elevou a fama da Quantic Dream para ser até uma influência no mercado. O nome do título em questão é Heavy Rain, lançado em 2010 para o PS3. Seu enredo não é tão bizarro quanto seu último título, mas não se enganem, aqui temos uma imersão e identificação mais fortes com as situações extremas de cada personagem.

O jogo começa mostrando a tranquila e normal vida de uma família americana. O pai dessa família, Ethan Mars, é o nosso primeiro protagonista. Ele possui dois filhos, Jason e Shaun, e uma esposa. Em um passeio em um grande shopping, Ethan perde Jason na multidão e com isso o menino morre atropelado. Esse é o principal drama desse personagem, que agora divorciado, tenta ser um bom pai para Shaun. Mas em um momento de distração o garoto é sequestrado, e o maior problema é que foi pelo Origami Killer, um assassino serial que captura garotos de 10 anos e logo em seguida os mata afogados, deixando um origami de animal em seus corpos.



Agora Ethan deve realizar cinco desafios do assassino em série  para conseguir encontrar Shaun antes que seja tarde. Para isso ele vai contar com a ajuda da Madison Paige, uma mulher com seus próprios problemas, mas que entende o desespero de Ethan. Paralelo a isso, Norman Jayden, um detetive do FBI, é o encarregado do caso do Origami Killer, que usa de um óculos de realidade aumentada para organizar suas pistas, seu vício em triptocaína é seu drama pessoal. Por fim, mas não menos importante, Scott Shelby, é o mais velho dos quatro, um detetive particular que busca evidências do Origami Killer,  tem asma e é o mais ativo em lutas na história.

Em níveis artísticos, esse com certeza é uma grande obra-prima, tanto em questões técnicas, como também em texto e roteiro. A desenvolvedora encarou isso como um drama interativo realmente, e até suas mecânicas refletem isso, adicionando até a possibilidade de ouvir os pensamentos do personagem controlado a qualquer momento. As coisas aqui são mais íntimas, humanas e expressivas que Indigo Prophecy.
Videogame é arte, e isso é algo inegável. Quando um jogo se presta a contar uma história em forma de um filme interativo, isso se torna uma afirmação óbvia. E se esse jogo consegue a proeza de te fazer sentir dor, a angústia e o desespero daqueles personagens colocando você praticamente na pele deles, vivendo seus cotidianos antes de quaisquer tragédias que possam ocorrer, a questão está resolvida: esse jogo é arte. Heavy Rain é, acima de tudo, arte, mas tem a mistura ideal com diversão que um jogo precisa para ser bem sucedido.

(Leandro Fernandes, em Análise para o PlayStationBlast)


Dividido em duas almas

A seguir, em 2013, a Quantic lançaria o game Beyond Two Souls para o PS3. Esse seria o primeiro game a usar atores famosos na captura de movimentos e vozes, como Ellen Page e Willem Dafoe. Aqui a desenvolvedora volta para o sobrenatural, mas com um pé na ficção científica, mas as comparações ficam por aqui.

Essa é uma jornada de Jodie e a entidade dentro dela chamada Aiden, passando por várias fases diferentes e épocas de sua vida de forma não linear. Os primeiros momentos do game mostram Jodie em uma delegacia, que mesmo questionada pelo delegado, não responde, e quando o homem cita a cicatriz na cabeça da nossa protagonista uma caneca com café é arremessada na parede. Então a SWAT chega, e um massacre fora da cena acontece.



Então voltamos um tempo, para quando ela era criança vivendo em um laboratório. Enquanto brincava em seu quarto, um médico a chama para realizar um experimento envolvendo a entidade Aiden, apenas um exercício de adivinhação. Essa é a primeira vez que podemos controlá-lo, e com ele é possível possuir, matar, mover objetos, entre outras coisas. E nessa cena em específico, é escolha nossa se somos agressivos ou se realizamos o teste sem problemas. Infelizmente essas escolhas não possuem um peso muito grande para todo o enredo, essa sendo uma das principais críticas a esse novo título. Mas não se enganem, essa ainda é uma grande obra, com ótimos personagens, um bom roteiro, excelente parte técnica.
Mesmo dando algumas “engasgadas” no meio do caminho, Beyond Two Souls permanece como uma experiência única no gênero da narrativa interativa. A possibilidade de controlar dois personagens e poder ver o mundo sobre os  olhos de uma entidade sobrenatural é um tema que pode ser explorado à exaustão e a Quantic Dream criou uma mecânica fácil e divertida para aproveitar essa trama ao máximo. Existem aqueles que dizem o game ficaria melhor como filme, mas isso seria incorreto. A força e o carisma de Jodie e dos personagens secundários só dependem de uma pessoa: você. E filme nenhum conseguiria colocar o espectador em um lugar tão alto.
(Luis Antonio Costa, em Análise para o PlayStationBlast)

Quebre suas barreiras

O último jogo lançado pela Quantic chegou aos jogadores em 2018, utilizando o mesmo mundo do Tech Demo da desenvolvedora, chamado Kara, para o PS3. Agora para PS4, Detroit: Become Human é uma junção de tudo que a empresa lançou antes, focando na humanização e nas consequências de suas escolhas.

Aqui acompanhamos e decidimos em três narrativas diferentes; da andróide Kara, vivida pela atriz Valorie Curry. Ela foi comprada para ajudar nos afazeres domésticos de uma família com problemas e desestruturada. Markus foi encarnado pelo ator Jesse Williams, e suas principais funções são ajudar um pintor cadeirante em suas rotinas diárias, e o relacionamento entre os dois é mostrado de forma bem íntima, como pai e filho. Connor, vivido pelo ator Bryan Dechart, é um andróide agente da CyberLife, encarregado em ajudar a polícia de Detroit a encontrar e entender o que está causando a divergência de outras máquinas humanoides.



Kara, para salvar a filha do pai bêbado, acaba o matando, e as duas precisam fugir, enquanto ela tenta mantê-la viva. Markus já se viu como um revolucionário na luta dos andróides contra os humanos, isso após seu amigo e pintor morrer pelas mãos de seu próprio filho. Connor começa a se questionar sobre tudo o que está acontecendo ao seu redor, e ele terá que tomar a decisão de ir contra sua raça ou seus criadores.

Esse ainda é um jogo da Quantic, então tudo o que eu disse até aqui acontecerá se assim o jogador quiser. Para enfatizar mais na consequência das suas escolhas, no final de cada capítulo é mostrado um diagrama fluxional com as escolhas e ramificações possíveis, trazendo muito variação e rejogabilidade. Isso tudo com os lindos gráficos fotorealistas e um primor técnico belíssimo. Mas algumas decisões em suas mecânicas são estranhas, com eventos banais obrigatórios, como lavar louça, ou tomar um drinque, ou mesmo alguns momentos confusos de ações.
O que significa “estar vivo”? Ser capaz de pensar, sentir e até mesmo amar basta para definir um ser como vivo, mesmo que ele seja artificial? Talvez ao jogar Detroit você consiga responder essa pergunta, ou talvez não. Mesmo com alguns inevitáveis tropeços, em Detroit Become Human, a Quantic Dream conseguiu levar o enredo da ficção-científica existencialista dos androides a um patamar além do que já havíamos visto, proporcionando uma experiência narrativa única com personagens inesquecíveis e um espetáculo gráfico que se aproxima tanto de nossa realidade que chega a causar um certo temor ao jogador mais atento.

(Luis Antonio Costa, em Análise para o PlayStationBlast)

Um futuro melhor para todos

Há mais de 12 anos que a Quantic Dream está trabalhando com a Sony para a publicação de seus projetos, mas com a empresa chinesa NetEase assumindo uma participação minoritária no comando do estúdio ela agora pode ter mais liberdade do que fazer. E o que mais surpreendente até agora é o anúncio de que todos os jogos publicados pela dona do PlayStation vão sair para o PC.
"Somos muito gratos pelos fantásticos 12 anos de colaboração com a Sony Interactive Entertainment e tudo o que eles nos permitiram criar e produzir”, disse Guillaume de Fondaumière, co-CEO da Quantic Dream. “Com essa nova parceria com a Epic, agora podemos expandir nossos produtos para uma base de fãs mais ampla e permitir que os jogadores de PC aproveitem nossos títulos”, completou.

(Vinicius Veloso, em Notícia para o GameBlast)
Infelizmente essa boa notícia também vem com um gosto amargo. No começo deste ano, 2019, uma investigação começou na Quantic para averiguar algumas acusações sobre um ambiente de trabalho tóxico, piadas preconceituosas e até assédio. Os acusados foram David Cage e o CEO da empresa Guillaume de Fondaumière, que negam completamente o ocorrido.


Mesmo com tudo isso, a trajetória da empresa é invejável. Então não é difícil imaginar mais um excelente acerto no futuro, vamos esperar por mais.

Revisão: Francisco Camilo

Escreve para o PlayStation Blast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original do mesmo.

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