Ameaça das Chimeras
Desenvolvido pela japonesa Compile Hearts, que possui uma experiência invejável no mundo dos JRPGs e é responsável por alguns dos mais diferentes no PlayStation 3 — entre eles os jogos da série Hyperdimension Neptunia —, Dark Rose Valkyrie foi concebido para ser especial. Isso porque a empresa quis elevar o nível de sua produção, chamando para o time profissionais envolvidos em outra série de sucesso no mundo todo, Tales of, da Bandai Namco.O jogo se passa no Japão no ano de 1929, após a queda de um meteorito no planeta Terra matar cerca de 3% da população mundial e infectar milhões com uma doença chamada Chimera, que transforma humanos em monstros violentos. Nesse cenário, encarnamos Asahi Shiramine, capitão designado para comandar a força especial Valkyria, cuja missão é erradicar os mais perigosos exemplares das criaturas, assim como captar informações sobre elas.
A questão é que mesmo com nomes do porte de Takumi Miyajima, roteirista de Tales of Symphonia (Multi) e Tales of the Abyss (Multi), o jogo custa a prender o jogador por sua história. Apesar do conceito principal não ser nem um pouco ruim, a forma que ele é desenvolvido é baseada em uma série de eventos bastante previsíveis. Considerando o nível dos lançamentos do primeiro semestre como Persona 5 (PS4/PS3) e Yakuza 0 (PS4), a deficiência é evidente.
Nicho do nicho
Quem vê a premissa já começa a imaginar uma narrativa pesada, regada de momentos conflitantes e emocionantes, porém, a realidade não poderia ser mais distante. Assim como outros games da mesma desenvolvedora, Valkyrie abusa demais de características do “moe” (gênero que explora relações/atração com meninas fofas), beirando ao “ecchi” (gênero que traz meninas em situações sensuais), o que acaba com a maior parte do clima que a própria história construiu.Para começar, assumimos o controle de um personagem que parece ter zero conhecimento ou experiência ao lidar com os monstros, mas ainda assim é posto como capitão de um grupo formado majoritariamente por garotas, que se comportam quase como colegiais. A desculpa para a formação é que o vírus tem mais chances de se proliferar em homens, fazendo das mulheres as mais recomendadas para tomar a frente no campo de batalha.
Uma parte importante do jogo é se relacionar com os membros da equipe, conquistar a confiança deles e dependendo das interações decidiremos (involuntariamente) qual se tornará um traidor da humanidade — que descobrimos por meio de um sistema de interrogatório. Nesses momentos, as mulheres, tecnicamente muito mais conhecedoras das criaturas que enfrentamos, se portam de uma forma que não condiz com seu nível de importância.
Sendo um pouco mais claro, a sensação é que todas estão ali para se apaixonar pelo personagem principal, não só pela entonação de voz, mas também pelos textos que falam. Há até mesmo algumas delas que são altamente sugestivas, como a que convida Asahi para entrar no quarto enquanto ela sai do banho — claro que ele fica todo envergonhado, enquanto ela o trata como um menino jovem e inexperiente, ao mesmo tempo em que fala como se ela fosse super inocente. Fetiche total.
Apesar de ser um prato cheio para quem gosta desse tipo de conteúdo, quem busca por um JRPG com uma história mais séria, mundo envolvente e personagens carismáticos vai se sentir perdendo tempo durante a maior parte da campanha — ainda que alguns momentos sejam genuinamente bons.
Perdendo o tom
Outro ponto bastante conflitante em Dark Rose Valkyrie é a trilha sonora: ao mesmo tempo em que as músicas estão entre as melhores coisas do game, elas também sãos algumas das grandes responsáveis por quebrar todo o clima de perigo iminente que a história tenta estabelecer. O que eu quero dizer é que as canções são em sua maioria muito boas, mas acabam sendo mal utilizadas.Tente imaginar um momento triste, em que você precisa visitar uma colega de equipe que pode ter sido infectada por um vírus mortal, e sua missão é dizer que ela terá que ficar sob observação. Que tipo de música seria utilizada? Uma canção mais sombria que reflita o peso da situação, certo? Aqui optaram por deixar tocar o tema da personagem, que mais parece a música que surge quando a Dona Florinda e o Professor Girafales vão tomar um café.
O grande culpado aqui talvez não seja a falta de talento da equipe, mas o número baixo de músicas disponíveis — cada personagem e cenário dentro da base tem seu tema próprio, assim como as dungeons. Mas até mesmo a música do menu tem o poder de quebrar o clima, principalmente em partes mais sensíveis da história onde deveria ter sido substituída por uma que demonstrasse a gravidade de situações.
Enfrentando a ameaça alienígena
O ponto mais alto e que segura boa parte do jogo é sem sombra de dúvidas o gameplay, ainda que este tenha algumas falhas que podem afastar alguns jogadores sem muita paciência. Mas vamos começar falando do que há de melhor: o sistema de combate, que executa em um só pacote algumas das melhores mecânicas já vistas no gênero.Assim como os mais clássicos JRPGs, tomamos controle de quatro soldados da força especial Valkyrie que batalham contra diferentes números de chimeras em um só encontro — cheguei a lutar até contra oito inimigos de uma só vez. O sistema de batalha é muito similar ao de Grandia, com um medidor de ação que corre sem parar, e dá a oportunidade de ser alterado de acordo com as ações tanto de seu personagem como dos seus inimigos.
Juntando com o número absurdo de hits que é possível alcançar, digno de um jogo da série Warriors, a parte divertida do combate é manter o controle sobre a situação e conseguir o maior número de danos aliando os personagens de suporte — que podem ainda tomar lugar dos principais como em Final Fantasy X (Multi). É incrível a satisfação de conseguir vários combos e subir o nível de crítico acima de 100%, e ainda melhor conseguir os bônus para evolução do personagem.
Uma crítica que cabe é a falta da sensação de progressão, pois é possível desferir ataques devastadores caso o jogador aprenda a estratégia de como atingir combos altos logo de início. A única mudança significativa mesmo é a possibilidade de ativar o Overdrive, modo que os personagens utilizam para fortalecer os golpes comuns e ganhar acesso a tantos outros — de quebra ele ainda apresenta o conceito de dupla personalidade à história.
Outro ponto fraco que pesa na conta do game é a progressão da história: enquanto em muitos jogos as side quests são formas de conhecermos mais sobre o universo do jogo, aqui elas servem quase como um gargalo que te impede de seguir a trama principal. Se isso não fosse ruim o bastante, essas missões são coisas banais como achar monstro x, eliminar quantidade n de bichos y que só aparecem à noite e então conseguir três unidades do item z.
Como no PlayStation 2
Não, infelizmente o subtítulo não quer dizer que o jogo é tão bom como nos tempos de PlayStation 2; ele é na verdade uma crítica forte a aparência de Dark Rose Valkyrie. À primeira vista, o jogo parece muito bonito, pois parte dele é levado como uma visual novel, repleto de imagens no estilo anime em altíssima definição. Mas essa maravilha dura bem pouco, já que é só chegarmos ao modo de exploração para as coisas mudarem drasticamente.O mundo explorável é um dos mais mal feitos que vi nos últimos anos, e não chegam nem perto de serem dignos do console em que está disponível. Desde as construções até a forma como os personagens se movem, tudo grita ultrapassado. Durante as primeiras sessões de jogo eu realmente acreditava que este era mais um daqueles jogos feitos para PlayStation Vita e que acabou ganhando uma versão para PS4 sem os serrilhados da baixa definição. Mas não é o caso.
Os modelos dos personagens no mundo são pobres e duros, algo que também pode ser dito sobre as construções, que pelo menos tem aquele toque de antigo que contrasta com a concepção de Japão atual. Para piorar, há queda de quadros inexplicáveis durante a exploração da cidade, algo que é incompreensível quando temos games do nível de Uncharted 4 (PS4), que precisam de muito mais para ter o mesmo problema.
A salvação do jogo nesse quesito realmente é o trabalho de Kosuke Fujishima — mais um dos membros da equipe de Tales of a emprestar seu talento ao projeto — como criador de personagens, que faz o game ser mais visualmente interessante. Os modelos dos personagens ficam melhores durante as batalhas, porém, a mecânica de rasgar roupas (quando o personagem leva muito dano sua roupa rasga e as roupas íntimas ficam à mostra) faz o lado fetichista vir novamente à tona.
Experiência para poucos
Dark Rose Valkyrie é um jogo que traz um conceito bom e poderia ser muito melhor, caso a equipe tivesse à mão mais recursos para tirar proveito do poder do PlayStation 4. Os gráficos são fracos, há quedas constantes de quadros, o estilo da narrativa é constantemente quebrado por outros elementos do jogo e há side quests que são gargalos para torná-lo mais comprido que deveria.Muitos dos pontos que eu citei aqui como coisas negativas, como o abuso das influências de simuladores de namoro/fetiche, são coisas que com certeza serão positivas para muita gente. Mas é realmente difícil recomendá-lo para qualquer outro tipo de jogador além daquele que busque por essas características, ou aquele que consiga focar nas divertidas batalhas e não se importe com o restante.
Prós
- Bom conceito de história;
- Trilha sonora conta com faixas muito boas;
- Batalhas são divertidas e desafiantes a todo instante;
- Direção de arte para os personagens e mundo são muito bem feitos.
Contras
- Conceito principal perde o impacto graças a outros pontos do jogo;
- Trilha sonora é mal utilizada e tira o clima em várias cenas importantes;
- Características fetichistas afastarão aqueles que buscam algo sério;
- Gráficos não condizem com poder do console;
- Desempenho é inexplicavelmente ruim em alguns momentos;
- Há side quests e missões paralelas que se tornam obrigatórias para prosseguir com a história.
Dark Rose Valkyrie – PS4 – Nota: 6.0
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