#Persona20th — Persona 4 (PS2/PS Vita)

Há algo de estranho em Inaba. E em Persona 4.

Persona 3 foi um ponto de virada na série Persona. O jogo conseguiu se separar de uma forma mais concisa da série original não apenas em seu sentimento, como também nas mecânicas. O dungeon crawling misturado com os social links deram a Persona 3 uma identidade única, para além de Shin Megami Tensei. A questão então era: Persona 4 manterá o padrão e identidade estabelecido pelo jogo anterior ou dará outra grande virada na série? A resposta foi: ambos.

Ainda mais Persona

Todas as mecânicas que fizeram Persona 3 distinto ainda estão lá em Persona 4, ainda melhores. A possibilidade de controlar a party toda já é dada na primeira versão de Persona 4, e elementos desagradáveis, como a possibilidade de cansar durante as explorações, foram removidos ,assim como diversos fatores contraintuitivos da jogabilidade. Eu poderia falar mais alguns parágrafos sobre como as mecânicas foram melhoradas de um jogo para outro, mas sabemos aqui que não é só mecânica que realmente distingue Persona 4 de Persona 3 e dos demais.
O primeiro aspecto que gosto de citar é como Persona 4 incrementou ao máximo a grande contribuição de Persona 3 para a série. Se o terceiro jogo explorava os conflitos das personagens como um dos pontos opcionais, Persona 4 faz disso um de seus centrais, sendo praticamente tão importante quanto a trama principal. As dungeons, os chefes e até mesmo as músicas refletem aspectos ocultos das personagens. Os chefes nascem das próprias sombras das personagens presas no mundo alternativo do jogo, e é a partir da negação delas que eles viram monstros de fato, refletindo o que nos tornamos ao ignorar os nossos desejos e sentimentos ocultos.


Cada chefe enfrentado e cada ambiente visitado tem uma carga simbólica extrema em Persona 4, assim como a relação dos personagens com as suas Personas serem em geral muito mais claras (apesar de se basearem em figuras mitológicas japonesas, que acabam exigindo um pouco de pesquisa para o público ocidental, menos acostumado com elas). Por muitas vezes, as personagens podem parecer menos carismáticas que em Persona 3, principalmente as coadjuvantes, mas vejo isso como um ponto positivo. As personagens secundárias parecem mais realistas, tendo dramas por muitas vezes mais próximos de nós, como problemas de autoestima ou a morte de um familiar, tornando, em minha opinião, muito mais fácil ter empatia com as personagens.

Mais… feliz?

A clara distinção entre os dois jogos vem em um aspecto que é muitas vezes criticado: a felicidade de Persona 4. É inegável que a atmosfera do jogo é mais alegre, feita de certo modo para contrastar com o próprio Persona 3. Se o terceiro tinha uma harmonia de cores que combinava um azul melancólico com preto e branco, Persona 4 usa de um amarelo vivo como cor primária realçado por… todas as outras cores, eu diria; todas no tom mais alegre possível.

Mesmo com todos os alívios cômicos, personagens felizes e momentos descontraídos, ainda acho questionável dizer o quão feliz é o título. A trama de Persona 4 gira em torno de uma série de assassinatos acontecendo na cidade rural de Inaba. Por mais que hajam os elementos fantasiosos da série, como o mundo da TV, Sombras e Personas, ainda é uma trama muito mais realista, que, apesar das proporções catastróficas possíveis serem muito menores que o conflito com Nyx em Persona 3, acaba me parecendo um pouco mais tensa que a do título anterior, por ser mais próxima da nossa realidade.


 Não que uma trama mais real seja sempre melhor, mas com sentimentos mais próximos do jogador é mais fácil se utilizar de outros artifícios que geralmente quebrariam a imersão. Por mais alegre que Chie Satonaka pareça comendo sua carne, nós sabemos da realidade de seus conflitos internos e que estamos em uma luta contra um assassino em série, e esse contraste gera um intenso ar de inquietação durante todo o jogo, sentimento que também é intensificado pela energética cor amarela.

A névoa em Persona 4 não é só um símbolo para o que há por detrás da névoa, mas para o que há a frente dela; sobre só ver aquilo que está muito próximo, como as divertidas reuniões do time no Junes; enquanto todos os aspectos negativos se escondem num futuro próximo, mas invisível. A partir do momento que não vemos nada, então, esse medo é despertado, simbolizado pela agitação e inquietação da população uma vez que a névoa piora, próximo ao final do jogo. Por mais que Persona 4 seja mais feliz que Persona 3, ainda me pergunto até onde essa felicidade é só o que está a frente da névoa, e o clima, apesar de menos triste, parece bem mais sombrio.

Consolidando a Série

Por mais que Persona 3 e 4 não sejam os primeiros da série Persona (duh!), é inegável que eles conseguiram estabelecer um padrão e uma coesão entre si. Se o 3 apresentou coisas que o distinguia dos demais jogos, o 4 mostrou aquilo que iria se manter único no 3 (e em si próprio também) e aquilo que compõe de fato a identidade da série. É fácil perceber isso quando vemos os trailers de Persona 5.


O foco nas personagens e em seus conflitos foi firmado como uma característica única de Persona. O simbolismo de suas personas e inimigos também se torna marca registrada da série, assim como suas próprias mecânicas e seu dungeon crawling característico, apesar das viradas que Persona 5 parece trazer para suas mecânicas. O ambiente mais real e menos catastrófico que o de Shin Megami Tensei parece também se tornar próprio da série, trazendo junto os problemas e a vida cotidiana como parte integrante da nova identidade da série Persona. Jogando Persona 3 e 4, fica mais claro tanto o quão sólida está a franquia, quanto o que podemos esperar para o próximo jogo, sendo o último tão influente a ponto de gerar diversos spin-offs, que serão cobertos no texto da semana que vem do especial Persona20th!

Revisão: Bruno Alves

é formando em Sistemas e Mídias Digitais e atualmente redator no PlayStation Blast e também no Ivalice. Grande interessado em Game Design e nas áreas artísticas que envolvem os jogos, não é raro encontrá-lo falando disso no Facebook e no Alvanista.

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