Até quando saia do gênero que a consagrou, o RPG, a resposta do público e crítica parecia ser favorável, caso do shooter Einhänder (PS/PSN) e Bushido Blade (PS/PSN). Após o lançamento de Final Fantasy VII (Multi), foi Soukaigi (PS/PSN) o anúncio que chamou a atenção de muitos (inclusive a minha, que na época ainda tinha somente um Super Nintendo), projeto que mostrava ser promissor e ambicioso.
Enfrentando a barreira da língua
Veja bem, apesar de ser bom com línguas, na época em que tive acesso ao jogo não falava japonês (não falo ainda) e entender a história foi um martírio. Tudo que eu tinha para decifrar a trama eram as cutscenes, que apesar de darem uma ideia geral do que se passa naquele mundo, não traziam qualquer conhecimento mais profundo como motivações, características dos personagens e por aí vai.O que acontecia mesmo só vim descobrir bem depois, quando tive acesso à internet e a uma belíssima e muito bem-vinda edição da finada revista Gamers. A trama é a seguinte: Uma princesa das trevas chamada Name (Namehime) quer trazer ao mundo (leia-se Japão) a desgraça e a supremacia dos Koran.
Para isso três indivíduos poderosos - Genseitenson Kahaku, Bukyuutenson Yanron e Reihoutenson Infu - fazem um ritual no topo do monte Fuji, no qual o sagrado monte é dividido em dois. Em seguida, grandes pilares negros começaram a surgir em todos os cantos, e com eles estranhas criaturas, que trouxeram caos e destruição às grandes cidades japonesas.
Mas é claro que para todo o mal que surge também vem o bem. É aí que entra um grupo de jovens (alguns nem tão jovens assim) portadores de armas elementais capazes de colocar um fim ao terror. O posto de protagonista fica a cargo de Naoya Mabui portador da Espada do Trovão – que depois é trocada por uma de Terra.
Digno de um anime (a história foi adaptada em Mangá), o roteiro traz todos os típicos personagens que amamos. O fortão e simpático Daiki Yashima; a frágil, porém decidida Mizuho Mikanagi; o confuso vilão que não quer mais fazer maldade e troca de lado Kaname Gabu; a criança que possui o importante poder da Luz Azusa Kotohira, e por aí vai. Apesar de meio clichês, são arquétipos que funcionam muito bem e ultrapassam a barreira da língua.
E agora, o que faço com essa espada?
Era comum, nos tempos em que não havia tutoriais in game, o jogador ter que se virar para aprender como fazer as coisas. E quando a língua do jogo não ajuda, as coisas ficam ainda mais difíceis. Mas a realidade é que você consegue passar por muita coisa em Soukaigi só no instinto: você tem uma espada e o cenário traz muitos monstros e cristais. Confesso que mesmo depois desses anos todos não tenho certeza qual é o fator decisivo para prosseguir na fase.O que acabei descobrindo ao acaso foi como utilizar as magias e encantamentos, representados pelas bolinhas verdes deixadas por monstros chamadas Materias (ponto pela criatividade) e os talismãs com inscrições, ou Fuins. Tudo isso pode ser feito ao pressionar um único botão: após começar um “ritual”, basta seguir apertando-o várias vezes para selecionar o efeito desejado.
Outro ponto de dificuldade é o sistema de evolução dos personagens, que não é feito por meio de níveis, mas sim de pontos que podem ser alocados em diferentes atributos. O mais difícil aqui é reconhecer os símbolos utilizados para denominar cada um deles, incluindo alcance do salto/dash, número de Fuins no começo do estágio, resistência mágica, resistência física, poder de ataque, entre outros.
Um ponto que pode dividir opiniões são os controles. Não é possível controlar os personagens com o direcional analógico, somente com o digital, algo terrível quando falamos de um jogo de aventura 3D. Apesar da jogabilidade acabar sofrendo por causa disso, devendo muito em fluidez assim como os antigos Resident Evil, não é nada que faça o jogo intolerável.
O feio
Pode parecer coisa de graphics whore, mas se tem um quesito que desagrada a maioria das pessoas que joga Soukaigi, este provavelmente é o gráfico. E isso não é questão de estar acostumado com as altas resoluções atuais, pois até mesmo na época em que foi lançado o trabalho feito pela Yuke’s, desenvolvedora responsável pelo jogo, foi altamente criticado.O jogo é praticamente todo poligonal e com texturas, o que não seria um problema se não fosse a qualidade de tudo isso que é bem mais ou menos. E digo isso principalmente por uma coisa: todas as cinemáticas do jogo são feitas com os modelos in-game dos personagens, da abertura até o fim do jogo, e ainda ganham aquela granulada básica de vídeo comprimido. Acho que isso é o pior.
Fora isso, a proposta de escolher como cenário um Japão atual (para os anos 90, é claro), com construções modernas, carros e máquinas da época é muito bacana e charmosa para um RPG. Na época eu já tinha um Dreamcast em minha vida e vi como o jogo poderia ter se beneficiado de um hardware mais poderoso. Este foi um projeto muito ambicioso para as capacidades do Playstation.
Ingrediente que faz a diferença
Poxa, você não sabia o que acontece direito na história, não conseguia evoluir direito os personagens, os gráficos não eram lá essas coisas... O que diabos fez você jogar esse jogo? A resposta, meus caros, é bem simples. Do tripé de qualidades que faz um RPG ser tão bom na minha opinião, ele acertou tanto em um deles que fui tomado de assalto por uma paixão louca: a música.A belíssima trilha sonora desse jogo foi composta por Hiroki Kikuta, o mesmo compositor de Secret of Mana (SNES), que apostou muito em uma sonoridade diferente. Pense em músicas que misturam diversos ritmos com instrumentos tradicionais orientais, jazz, sons tribais, entre outros. O resultado foi algo totalmente diferente de qualquer coisa na época, mas que soa de certa forma familiar.
Logo na abertura temos a excelente “Ancient Power”, que, para falar a verdade, é boa demais para cena em que é usada, mas já mostra que o trabalho é digno de atenção. A próxima, utilizada nos menus entre fases, “Angel’s Fear Again”, exemplifica como um simples riff pode ser extremamente cativante.
Já a primeira música de fase, “Quake”, é onde as coisas começam a ficar sérias. É praticamente impossível jogar o primeiro estágio e não ter a melodia e o canto suave presos na cabeça por dias. Em seguida vem outra das minhas favoritas, “Fire Wire”, que traz um incrível trabalho de contrabaixo – há uma lenda de que o músico estava muito bêbado na hora da gravação, por isso parece tão extremo.
E a lista de músicas excelentes continuam com destaque para “Broken Memory”, “Die on Destiny” e “Lovely Strains”, esta última uma das mais emocionantes da história da Squaresoft. Até hoje é comum eu ouvir o álbum enquanto eu faço qualquer tarefa, como escrever este texto, por exemplo. Imperdível.
Vale a pena?
Não há como negar, o jogo tem seus problemas gráficos, os controles poderiam ser bem mais fluidos e certamente a barreira da língua impede a compreensão do enredo de forma mais profunda. Porém, Soukaigi é um daqueles jogos que tem uma aura especial, algo de encantador que faz com que seja inesquecível para aqueles que apreciam suas peculiaridades.Seja pela trilha sonora fabulosa, pela direção de arte interessante, ou pelo sistema de magias e habilidades bacanudo, esta é uma experiência que me cativou. Hoje posso falar que este é um dos jogos da minha lista de favoritos do primeiro Playstation. Altamente recomendado.
Revisão: Gabriel Verbena
Capa: Esdras Ferreira
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