O visual de The Last of Us é um dos melhores já vistos em videogames até hoje. A história é fantástica, claro, mas os cenários do game deixaram muitos boquiabertos e perdidos no meio de lugares que parecem tão reais. O que impressiona depois de passar várias horas de jogo contemplando o silêncio de cidades em ruínas tomadas pela natureza é quando o jogador vai parar no meio da neve, dentro da estação do inverno. O problema é que aqui ele irá encontrar muito mais do que apenas o frio para se preocupar.
Perigo na neve
Assim que iniciamos o capítulo, a primeira coisa que percebemos é a mudança drástica do cenário. As vegetações que dominavam as ruínas de vilas e cidades desapareceram e deram o lugar a um tapete branco de neve. Por um momento, você até consegue esquecer de todo o horror que o mundo virou e ficar apreciando aquele silêncio e calma que somente o inverno consegue proporcionar. Isso, claro, até que você vê Ellie no meio dessa paisagem e, subitamente, percebe que agora você tem o controle sobre seus movimentos.Tudo parece muito tranquilo, já que a única preocupação de Ellie parece ser caçar um veado que percorre a planície. Quem dera tudo se resumisse a buscar alimento, não é mesmo? A jovem logo se depara com um grupo de sobreviventes e, já calejada sobre como as pessoas reagem, não perdeu tempo em mostrar que estava armada e não hesitaria em atirar se fosse preciso. O grupo consegue convencê-la a acompanhá-la até o Lakeside Resort, um hotel abandonado onde eles possuem suprimentos e poderiam lhe fornecer alguns. Não podemos nos esquecer que Joel ainda estava se recuperando de seu grave ferimento do capítulo anterior e Ellie era sua única esperança.
A jovem conhece o líder do grupo, David. O homem se mostra solícito e não demora muito para eles serem atacados por grupos de clickers. Parece que nem mesmo o frio da estação consegue parar os monstros. Mas eles seriam a menor preocupação da garota, pois David força Ellie a ficar com o grupo no hotel e a prende no açougue. É lá que ela descobre uma terrível verdade: o grupo estava utilizando carne de cadáveres humanos para sobreviver. Ela sabia que era apenas uma questão de tempo antes que fosse a próxima a ir parar na panela do cozinheiro, então tentou fugir.
Enquanto isso, Joel acorda desorientado e, ainda se recuperando de seu ferimento, sai em busca de Ellie. O jogador consegue matar sua saudade quando Joel finalmente volta à ação, mesmo estando um pouco debilitado. Ele logo precisa utilizar de suas habilidades quando homens do grupo de David tentam encontrá-lo e matá-lo. Daí por diante, é um Deus nos acuda. Enquanto Joel corre em direção ao Lakeside Resort gastando quase toda a munição de suas armas, Ellie precisa ser o mais furtiva possível para escapar de David. É um jogo de gato e rato que o jogador não estava esperando, mesmo assim o game consegue criar uma mecânica fantástica ao intercalar os momentos de cada personagem, criando um desfecho impactante para o capítulo.
O pior da humanidade
A genialidade por trás do capítulo do inverno de The Last of Us não é a brusca mudança de perspectiva. O inverno é a alusão perfeita sobre a decadência da humanidade. Eu poderia iniciar toda uma discussão aqui sobre o verdadeiro sentido por trás da trama do game, mas basta dizer que no mundo de Ellie e Joel os verdadeiros inimigos não são os humanos infectados, mas a própria humanidade em si. O vírus não condenou os seres humanos, mas mostrou como eles realmente são: seres egoístas e ruins que estão dispostos a tudo para sobreviver, por si mesmos e não importa por quais meios.Não precisa analisar o contexto do game muito a fundo para se dar conta dessa verdade. Em boa parte da história, seus piores inimigos não são clickers, runners ou bloopers, mas sim humanos que querem te matar para pegar seus suprimentos. Até o momento em que você conhece os humanos do capítulo do inverno, você já está com pouca fé na humanidade pelo que viu anteriormente. O golpe fatal chega quando você percebe que eles estão matando pessoas para se alimentar. A sociedade está a um passo da barbárie e, como a neve que chega para cobrir tudo e silenciar a natureza, a maldade humana atinge seu ápice nesse capítulo, mergulhando o mundo em um “inverno” da alma.
O ponto que mostra definitivamente a decadência humana é o próprio final do capítulo, em que Ellie precisa matar ou morrer. Matar clickers é uma coisa. Eles são seres humanos infectados, sem chance de recuperação. Agora matar outra pessoa, mesmo que seja para sobreviver, é algo que nenhuma pessoa em sã consciência deseja fazer. Ellie é forçada a isso. E mesmo permanecendo firme e confiante até aquele ponto da história, ela quase enlouquece de raiva golpeando seu inimigo. Mas eis que Joel, a própria imagem da falta de esperança humana, aparece e conforta a jovem. Talvez para ele não seja tolerável assistir àquela cena. Que um homem já tenha desistido de qualquer chance de felicidade, isso é aceitável. Mas não Ellie. Pelo menos ela precisa ter alguma chance. Um fio de esperança pelo menos.
De fato, o inverno é uma estação que castiga muito.
Revisão: Alberto Canen
Capa: Peterson Barros
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