Blast from the Past

Em Suikoden II (PS) reúna seu exército e vá para a guerra

Relembre o clássico RPG da Konami que sobreviveu ao teste do tempo.

Lançado em 1998 no Japão e em 1999 nos Estados Unidos, Suikoden II é um jogo atípico em seu contexto. Naquela era dourada dos RPGs japoneses, repleta de world maps, encontros aleatórios e adolescentes salvando o mundo, o Universo e a Galáxia, o título conseguiu se destacar trazendo muito de tudo isso, mas não tudo, e um monte de outras coisas. Não era pré-renderizado, suas cenas em CG eram escassas e ruins, trazia sprites dos personagens ao invés de modelos 3D nas batalhas, e seus adolescentes estavam ali no meio de uma guerra terrível e não à beira do fim da existência humana. O patinho feio, porém, acabou envelhecendo melhor que muito título cheio de explosão e 3D e CG etc. E figura na memória de muitos fãs como um dos melhores RPGs daquela era.

Esta matéria contém spoilers!


Guerra e Paz


Do ponto de vista narrativo, Suikoden II é um jogo sobre amizade, guerra, traição, violência e política. Diferente de muitos outros títulos da época, ele te coloca em meio a uma guerra entre duas nações em que teus inimigos são aqueles que defendem a outra bandeira, e não algum vilão sociopata que está por trás de tudo para acabar com o mundo ou dominá-lo. Trata-se de um conflito político entre o império de Highland e as cidades-estado ao sul. A ação é delimitada a uma parte do mundo apenas, evidenciando que o conflito tem proporções importantes, mas não mundiais e cósmicas.
O segundo jogo da série acontece na região marcada no mapa. As localidades do quarto e quinto jogos da série nem estão aí nessa imagem, para se ter uma ideia do tamanho do mundo criado para Suikoden.
O game começa com dois amigos em um acampamento militar. Um deles é o herói que você pode nomear e o outro é Jowy Artreides, um quase irmão do personagem principal. No meio da noite, o capitão vem com um papo estranho que os inimigos quebraram o acordo de paz, os dois não engolem muito a história e acabam descobrindo que é tudo um plano do sádico príncipe Luca Blight para continuar com a guerra. Eles fogem como traidores e com a ajuda de dois personagens que retornam do primeiro jogo, Victor e Flik, conseguem se afastar das terras do império.

O amigão Jowy acaba mudando de lado eventualmente e o personagem principal vira o líder do exército de resistência (que você pode escolher o nome) e o enredo vai se desenrolando. Curiosamente, as cenas do Jowy são muito mais interessantes e bem dirigidas que aquelas com o personagem controlável. O herói tem um design bonito e usa tonfas para batalhar (o que é bem legal), mas é um cara meio parvo. Pode ser aquela velha ideia de deixar que o jogador tome o lugar de um indivíduo do tipo “papel em branco”, mas a opção aqui deixa a desejar, visto que tal personagem é o líder do exército. O jogador controla o “líder”, mas ao mesmo tempo não escolhe nada e não desenvolve as táticas de guerra (o que fica a cargo do personagem estrategista, típico da série). Isso acaba sendo uma contradição ruim entre o jogar e o narrar. Algo que é bem desenvolvido em Dragon Age: Inquisition, por exemplo, com ressalvas aos contextos completamente diferentes de lançamento. No título da BioWare, no entanto, vivemos a experiência de estar tomando decisões, de guiar os caminhos da Inquisição.
Formando alianças e recebendo itens que já deveriam ter sido dados há muito tempo.
Outro problema da narrativa é que muitos momentos e temáticas parecem cópias do que aconteceu em Suikoden, de 1995. É verdade que o segundo game foi idealizado antes, e que o título de estreia serviu como um laboratório para os desenvolvedores testarem mecânicas e se acostumarem com o hardware. Mas essa é uma informação que ninguém tem obrigação de saber, e desse ponto de vista é correto afirmar que o título simplesmente repete ou recicla conceitos narrativos do primeiro jogo.
Também tem Suikoden II no Minecraft. Aqui temos o castelo North Window. Créditos ao numberouz.
Dito tudo isso, é importante salientar que a história e o desenvolvimento dela são bem competentes em Suikoden II. Rapidinho você entende os problemas geopolíticos, e o senso de profundidade do jogo é incrível (existem várias regiões pelo mundo, com história, culturas e motivações diferentes). É fácil se deixar levar e se envolver com o conflito e com os personagens. Aliás, são mais de cem.

As 108 estrelas do destino

Do ponto de vista da jogabilidade, Suikoden II é um jogo sobre reunir uma porção de gente. É sobre política e guerra também, e é legal como narrativa e mecânicas confluem nesse sentido. Mas o aspecto central da experiência é o recrutamento dos mais de cem personagens. É um desafio e tanto, e somente com todas as “108 estrelas do destino” no seu exército o final verdadeiro (dito “final bom”) pode ser assistido. O chato é que é o tipo de coisa que é bem difícil sem um FAQ, principalmente por conta de alguns personagens que possuem uma janela de tempo, às vezes pequena, para serem recrutados. Esse tipo de dificuldade pode ser uma ideia para aumentar o fator replay, mas eu não consigo compreender a necessidade disso para um game com mais de 35 horas de jogo.


São diversos tipos de personagens, dentre os quais alguns adicionam mecânicas (como teletransporte, velocidade aumentada na mapa, etc) ou melhorias no castelo do exército: lojas e outras coisas divertidas, como o (também típico da série) personagem detetive, que investiga seus companheiros para descobrir suas fichas e segredos.
Luca Blight é amador. Se fosse ruim mesmo chamava o choque para dispersar a multidão!
É impressionante como o jogo consegue trazer tantos personagens carismáticos e cada um com uma animação de ataque diferente dos demais. Mesmo o fato da maioria deles não ser bem trabalhado na narrativa não tira o brilho e a simpatia desse grande elenco. O grupo de batalhas é composto por seis personagens, três na frente e três atrás. Quem fica atrás só pode atacar se for do tipo M ou L (distância média ou longa). Se for S (distância próxima) pode atacar apenas se tiver runas especiais, ou utilizando magia a partir dessas runas. O esquema de experiência é bom e cai como uma luva no título. Mesmo que um personagem esteja uns níveis atrás do restante, rapidamente você consegue elevar ao mesmo patamar. O chato grinding (ter que ficar em um lugar subindo de nível) comum ao genero é desnecessário em relação ao ganho de experiência. No entanto, para ganhar dinheiro (principalmente no começo) é.


As cidades possuem o tamanho certo para a proposta do jogo. Se fossem desnecessariamente grandes, poderiam atrapalhar ainda mais no ritmo de recrutamento. Em contraposição, a escolha de apresentar a personagem Viki, que possui a magia do teletransporte, apenas mais adiante no jogo é frustrante. Até encontrá-la o jogo te faz passar por backtrackings (voltar para lugares já visitados) múltiplos. Que não agregam em nada em relação ao confronto com inimigos e fazem o jogador perder um tempo precioso. Considerando o caráter aleatório da entrada da personagem no grupo, teria sido muito mais inteligente ter introduzido ela antes, assim que o jogador assumisse o comando do castelo.

No entanto, enquanto experiência geral pensada para o recrutamento e para a guerra, Suikoden II é muito bom.

Os três lados da guerra

Já falamos um pouco do sistema tradicional de batalha presente em Suikoden II. Ele é bem divertido e rende boas batalhas. O título apresenta mais duas formas de confronto. A primeira é o duelo. É um momento no qual o herói precisa vencer um determinado adversário. Toda a pompa da peleja mascara o mais simples jogo de papel-pedra-tesoura. O jogador tem três opções: ataque, ataque feroz e defesa. Ataque vence defesa, defesa vence ataque feroz e ataque feroz vence ataque. Simples. A maneira de deduzir qual ação o adversário vai escolher é através da fala dele. Geralmente é bem óbvia, mas algumas são mais complexas e divertidas.
Duelo maroto para resolver umas pendências.
A segunda e mais interessante mecânica de confronto é a guerra tática. Cada unidade é posicionada no mapa. Cabe ao jogador mover os batalhões e enfrentar os inimigos. A animação da hora do confronto é bem simpática, assim como o barulho que os guerreiros fazem. O momento da guerra mudou muito ao longo da série, mas mantenho como meu preferido o de Suikoden II, que teve um claro avanço em relação ao primeiro jogo. O único porém é que as táticas de guerra são desenvolvidas pelo estrategista e não pelo jogador, o que pode ser frustrante.
E aqui uma imagem das batalhas entre exércitos.
Esses dois tipos de confronto agregam diferentes estilos ao jogo sem ofuscar a batalha por turnos em grupo, que é a parte principal. Acaba sendo muito legal variar de vez em quando, ainda mais em um jogo longo. O mais interessante é que são tipos que casam muito bem com a proposta central do título: recrutar e guerrear.
Imagem da batalha por turnos de Suikoden II

Joguem Suikoden

A apresentação do jogo melhorou muito em relação ao primeiro título da série. É estranho pensar que tal título foi lançado em 1999, após Final Fantasy VII, Final Fantasy VIII e Xenogears. Muitos torceram o nariz para os “gráficos de Super Nintendo”. Suikoden II acabou envelhecendo bem, e seu estilo e proposta gráfica não desagrada nos dias de hoje. Sua trilha sonora, que mereceria uma matéria à parte, é primorosa. Sons acústicos que variam dos ritmos celtas aos orientais dão o tom da aventura.

Suikoden II não deixa de ser um dos mais queridos RPGs do PlayStation. Se sobreviveu ao teste do tempo é porque possui muitos méritos. Uma boa noção de seus aspectos centrais e mais importantes, uma legião de personagens simpáticos para se unir ao seu exército e fazê-lo crescer, uma base que se modifica com o tempo, uma geopolítica que cresceu ainda mais com os outros jogos da série, um vilão execrável e psicótico corrompido pelo poder, inteligentes opções de design e um enredo forte sobre guerra e amizade embalado por uma ótima trilha sonora.
Aproveitem o lançamento recente de Suikoden II na PSN (PS3 e Vita) e vivam esse clássico.


Capa: Diego Migueis
Revisão: Alberto Canen


é um homem sem qualidades. Para se esquecer das décadas de fracassos de sua vida real, resolveu passar parte do seu dia jogando. Iniciado nos games por Adventures e JRPGs, hoje em dia joga de tudo. Gosta muito de escrever sobre jogos, mas só dá nota 10 para games em que você pode dar Suplex em um trem.

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