Um dos erros mais comuns ao se fazer um DLC é perder de vista o público que se está visando. A série Mass Effect tem uma quantidade enorme de fãs, ainda que muitos tenham se mostrado insatisfeitos com o encerramento da trilogia (eu mesmo estou incluído nesse grupo). É uma base fiel, emocionalmente conectada aos personagens e ao universo apresentado ali.
É justamente por isso que o ponto brilhante em Citadel não são os combates ou a trama das sequências de ação e investigação. Ambos são excelentes, mas o que faz Citadel ser indispensável é seu roteiro e sua capacidade de conectar o jogador de forma ainda mais profunda aos personagens. Mas vamos por partes. A história do DLC começa quando Shepard recebe a ordem para aportar a Normandy na Citadel para reparos e aproveitar a licença para desembarcar no apartamento do Almirante Anderson, que está na Terra lutando contra os Reapers.
Obviamente o descanso não dura muito. Um grupo armado ataca Shepard e obriga o protagonista a investigar as origens dessa nova ameaça. Não vou entregar aqui a reviravolta na história, mas o roteiro do DLC é simplesmente perfeito, desde a construção da narrativa até as falas, repletas de referências, piadas inteligentes e sacadas geniais. Pode parecer estranho, mas o clima do DLC é muito comparável ao trabalho de Joss Whedon (o diretor e roteirista do filme "Os Vingadores - The Avengers" e criador das séries "Buffy, A Caça Vampiros" e "Firefly"), com um estilo de humor peculiar e focado no público que já conhece aquele universo. Sabe aquele tipo de piada que você entende e ri, sem precisar de um amigo do lado para cutucar e apontar onde está a graça? Mesmo assim, o roteiro não deixa de lado as piadas mais "abertas", como uma sequência de rolar de rir envolvendo um entregador de pizza.
Absolutamente todos os momentos em que algum personagem fala têm textos impecáveis, que variam do tocante ao engraçado, passando pelo meio-termo bem apropriado a um DLC de despedida.
Experimentando jogabilidades
Como eu disse, as sequências de ação e investigação de Citadel são excelentes. Isso se deve ao fato da equipe ter misturado os momentos de combate direto com investigação, infiltração e até stealth. Um dos momentos mais únicos na série é a invasão de um local específico (estou evitando spoilers, relevem a subjetividade), em que Shepard precisa se misturar aos convidados da festa para passar desapercebido, enquanto desliga alarmes e distrai guardas com a ajuda de um companheiro de time.
Esses caras jogam um grupo de granadas na direção de Shepard. Sacanagem. |
Os novos inimigos não são nenhuma grande novidade, mas oferecem alguns dos combates mais desafiadores da série e tiram o jogador da zona de conforto ao mudar mecânicas estabelecidas (um mercenário que usa um escudo feito de energia e que é praticamente invulnerável até que se sobrecarregue esse escudo, por exemplo).
Para fechar o pacote, o DLC não fica contido em apenas uma missão: ele se espalha por várias sequências e leva o jogador para lugares e situações difíceis de imaginar em outras circunstâncias. Mas é terminar a missão "principal" que revela a verdadeira joia em Citadel, que guarda muitas e muitas horas de conteúdo adicional.
Reencontros
Quem jogou a série inteira vai entender bem o que é reencontrar um dos seus personagens preferidos após muito tempo sem jogar. É como reencontrar um velho amigo e ver que vocês ainda têm muito sobre o que falar. Quando termina a missão principal, Shepard ainda pode descansar em seu novo apartamento e receber ou sair para fazer algo com seus companheiros e ex-companheiros de time. Cada um tem um ou dois "encontros". Alguns são hilários, com destaque para Javik (que, aliás, acabou ganhando o meu carinho após tudo isso graças a um excelente trabalho com o personagem) e Traynor. É muito raro eu rir com um videogame da forma que eu ri jogando Citadel, e isso por si só já é motivo para elogios.
Perdoem o seguinte spoiler. Aliás, se não quiser ler nenhum tipo de spoiler sobre o DLC, evite esse parágrafo. O verdadeiro ápice é poder dar uma festa, com basicamente todos os personagens que passaram pela equipe de Shepard e sobreviveram para contar a história. Pode parecer ridículo, mas o fato da festa durar horas de jogatina é uma das melhores coisas que poderiam ter feito. Está tudo ali: o roteiro impecável que mencionei, as referências às escolhas feitas no decorrer da série, piadas inteligentes sobre o universo e as relações entre os personagens... É tudo baseado no famoso fan-service (quando algo serve descaradamente para agradar os fãs), mas é tão deliciosamente bem feito que isso não é um problema.
Impressionante ver que as garrafas de cerveja não mudaram nada no futuro. |
Mas existem também aqueles momentos em que os olhos enchem d'água com a saudade prévia que você sente daqueles velhos amigos. Até mesmo alguns que se foram deram um jeito de deixar recados para Shepard e eu não tenho vergonha de admitir que fiquei emocionado e senti saudades como se os tivesse perdido de fato.
E como se não bastasse fazer o jogador rir, chorar e ficar rolando na cama de saudades, Citadel traz um monte (e não é exagero) de sidequests simples e coisas divertidas para se fazer. A vizinhança do apartamento tem um local com combate simulado (que dá pontos e prêmios de acordo com o desempenho do jogador, e envolve uma série de sidequests que podem render uma quantidade insana de horas de jogo), um arcade (com jogos que lembram aqueles que encontramos em arcades da vida real, e trazem até rankings com nomes de personagens do universo Mass Effect) e o cassino, com jogos dos mais diversos. Tudo isso permanece acessível após o fim do conteúdo, e não é à toa que Citadel exige 3.3GB de espaço no HD. É muita coisa para se fazer e, principalmente, muito diálogo.
O que eu quero dizer é que é isso que um DLC deveria ser. Ele deveria ser algo que não caberia dentro da história principal a princípio. Algo construído levando em conta o feedback dos fãs e trazendo coisas que os criadores acreditam ter importância para aquele universo. Ele deveria ser longo, mas não só constituído pela mesma coisa que o jogo original tinha. Ele deveria, por fim, ser feito com qualidade e valer cada centavo gasto nele.
Para dizer adeus, vale a pena deixar a guerra de lado. |
A perfeição existe, sim
Quando eu falo de Mass Effect para meus amigos, eu devo soar meio ridículo: como um bobão encantado por um universo ficcional e os personagens contidos ali. Eu prefiro acreditar que Mass Effect é um símbolo de como os videogames podem ser realmente imersivos, e não somente colocar o jogador numa pele pronta em uma linha reta. Eu prefiro acreditar que esses personagens merecem esse meu encanto e que a BioWare criou algo que vai me marcar para a vida toda.
Por isso, ao chegar no final de Citadel, com os olhos cheios de lágrimas e uma sensação de peso (mas ao mesmo tempo de alívio, já que Mass Effect 3 não havia me proporcionado essa sensação de fechamento de forma conclusiva ainda), eu já sabia que queria escrever esse texto, sabia exatamente o que falar e sabia exatamente que essa seria minha primeira (e não duvido que seja a última) nota 10. Qualquer fã de Mass Effect deveria jogar Citadel e encerrar a experiência com a série de maneira apropriada.
Eu não estava chorando nessa cena. Era apenas um cílio. |
Citadel (Mass Effect 3) - PlayStation 3 - Nota: 10Preço: US$14.99 | Disponível na PlayStation Store
Revisão: Rafael Becker
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