Antes de mais nada, deixo claro que essa matéria não é sobre os jogos feitos única e exclusivamente para a educação, mas sim sobre os títulos comuns, presentes em nosso dia a dia e os seus possíveis usos para despertar o interesse dos alunos.
Parto de uma reflexão básica: se os jogadores estão dispostos a pagar por um jogo que exige tempo e dedicação para ser aprendido, deve haver algo a mais nesse produto do que apenas entretenimento.
Sistema Educacional Pré-histórico
Todos nós sabemos que ainda falta muito para o sistema educacional brasileiro ser considerado aceitável. A situação é grave: professores mal remunerados e desmotivados, alunos desinteressados e uma falta de investimentos tremenda. Como, infelizmente, alguns desses itens ficam a cargo do governo, o que os educadores podem fazer é levar novas metodologias para a sala de aula, conteúdos que conquistem os seus alunos.A relação entre o jogo e a educação, ao contrário do que muitos podem pensar, é bem antiga. Os gregos e os romanos já ressaltavam a importância do jogo para se educar uma criança. Porém, a noção de jogo e brincadeira como algo tipicamente infantil foi construída a partir do século XVIII.
A situação não mudou muito nos últimos séculos. Até hoje, a escola é vista como um espaço “sério”, ou como dizem: “escola não é lugar de brincadeira”. Tomaz Tadeu da Silva demonstra isso, de forma muito bem argumentada, em seu livro. De fato, muitos educadores hoje em dia são incapazes de associar aprendizagem com diversão. O que é uma pena, pois, enquanto a escola for vista apenas sob essa ótica autoritária do “aprender não importa o modo” os alunos continuarão se sentindo afastados e sem interesse. A realidade é dura: as escolas brasileiras mantém um sistema de ensino arcaico, pouco efetivo e baseado em princípios ultrapassados. Você aprende para passar nos exames, não para a vida.
O ponto chave de tudo isso é bem simples: o perfil dos alunos mudou radicalmente nos últimos anos. Eles pensam e aprendem de forma diferente das outras gerações. O exemplo claro disso é a multitarefa, presente nos games, que os alunos incorporaram. De forma mais clara: acostumados a fazerem trocentas coisas ao mesmo tempo, os alunos sentem enormes dificuldades em se concentrarem em apenas uma, e pior, uma atividade que não desperte o seu interesse.
O problema é que a escola não acompanhou, e nem parece interessada em acompanhar essa mudança. A distância é categórica. Já se foi o tempo em que os alunos aprendiam apenas na escola. Hoje em dia é facilmente aceitável a noção de que eles aprendem da mesma forma fora dela. Logo, as aulas são uma verdadeira tortura. É decoreba para todos os lados, de A a Z.
Para que esse cenário mude, é fundamental que o professor faça uso de novas metodologias e de novos materiais. É nesse ponto que o uso dos videogames se enquadra, pois podem ser encontrados em qualquer lugar e fazem parte da vida dos estudantes. Muito mais do que simples entretenimento, eles constituem-se como produtos e produtores culturais, daí o seu uso pelo professor como forma de ensinar.
Jogos que (re) educam
Não me entendam mal, os alunos devem sim aprender conteúdos bases de uma formação adequada, quer eles tenham familiaridade com eles ou não. Mas a forma como esse conteúdo é ensinado faz toda a diferença. Você prefere aprender sobre a civilização grega lendo chatices ultrapassadas no livro dídático ou discutindo com o seu professor sobre Age of Mythology ou mesmo God of War? Acreditem, não é impossível. Eu, como professor de história, me surpreendi com a facilidade de aprendizagem dos alunos mediante outras estratégias educativas.Ainda com essa lógica, jogos como Age of Empires ensinam aos alunos quais as tecnologias, costumes e culturas de determinados povos, além de narrar suas trajetórias. Imaginem como seria muito mais divertido aprender sobre os romanos, controlando-os e participando de eventos históricos marcantes. Os próprios alunos sentem essa diferença, e possuem opiniões formadas sobre o assunto. É o que podemos ver no relato do estudante Darksun, em entrevista para o livro Game on: Jogos eletrônicos na escola e vida da geração @:
Eu vejo a aprendizagem com os games como uma aprendizagem completa, colaborativa. Pois sempre tem um colega no grupo que lidera, distribui e ensina algo novo [...] No jogo, nós sabemos o que fazemos, porque fazemos, criamos e refletimos sobre os resultados no final. Na leitura de um livro, ou ao escutar uma aula, o professor, na maioria das vezes, não dá o roteiro, não diz o que quer e quando diz é em resumo, uma resenha que entrega e pronto. Não sabemos o objetivo do trabalho. No jogo, nós estamos presos, mas estamos vendo, escutando, agindo, tudo em nós está envolvido.Dessa forma, o estudante pode ser capaz não só de acompanhar, mas também de intervir, por exemplo, nos acontecimentos contínuos de sua aprendizagem.
Outros títulos como GTA, Mafia e Sleeping Dogs podem ser usados para discutir com os alunos um conceito comum de ética, vingança e moral. Podendo inclusive ir além, discutindo questões que vão de imigração à intolerância social e racial, passando por noções de economia e política. Se for trabalhar com um público mais jovem, nada mais recomendado do que LittleBigPlanet 2. Com ferramentas e materiais básicos dá para fazer quase tudo. Ótima forma de incentivar a criatividade e a capacidade cognitiva dos jogadores/alunos.
Mas de que maneira os jogos eletrônicos educam? Parafraseando um clássico jargão do público gamer: “o fato é que só se aprende jogando”. Todo jogo possui um conjunto de regras, e é preciso jogar para aprendê-las. A partir do momento em que dominamos as regras de determinado jogo, ele se torna paulatinamente mais fácil. Assim, a conclusão fica clara: os jogos ensinam. Há uma vasta literatura (majoritariamente estrangeira) que explora esse papel pedagógico dos jogos, são desde competências cognitivas e emocionais a sociais e culturais. O poder de simulação dos jogos é fundamental para que esse ambiente propício à aprendizagem se constitua.
Desse modo, a aprendizagem que é construída em interação com os jogos não é mera cópia mecânica das situações vivenciadas, mas sim uma ressignificação que os jogadores/alunos fazem das imagens e ações presentes nos jogos. Trocando em miúdos, por meio dos videogames os alunos estarão aptos a não só aprender, como a vivenciar determinados conteúdos. Essa vivência, ainda que virtual, faz uma enorme diferença, pois, mais do que transmitir conhecimento, o grande potencial dos jogos está justamente no estímulo à criatividade e na resolução de problemas. Características essenciais para o mundo moderno.
Um exemplo distante, mas inspirador
No primeiro dia de aula, os alunos são surpreendidos por visitas inesperadas: os fantasmas de colonos ingleses, americanos e índios. Todos começam um debate acalorado, pois não conseguem entrar em um acordo sobre os detalhes da Guerra de Independência americana. Por possuírem pontos de vista diferentes e muitas vezes contraditórios, cabe aos alunos da escola pública de Nova York Quest to Learn, ajudá-los.Na escola, todos os conteúdos disciplinares são passados aos alunos em forma de jogos. Os seus pouco mais de 360 alunos aprendem não só jogando, mas principalmente desenvolvendo estratégias para situações-problema e criando seus próprios jogos. De forma que, além de aprenderem, eles ainda saem com a capacidade de resolver situações. O mais interessante é que, como eu disse, a escola faz parte da rede pública, portanto, com o mesmo financiamento que as demais. A única diferença são os oito profissionais extras contratados, especialistas em jogos e currículos, para dar um suporte a mais ao professor.
A organização da escola acredita que por meio dos jogos, pode mudar a forma como as pessoas se relacionam com o mundo a sua volta. Quando fez uma visita ao Brasil, um dos responsáveis pelo projeto afirmou:
Umas das coisas mais poderosas que os jogos criam nas pessoas é o status de jogador. Quando se sentem jogadores, as pessoas se tornam mais ousadas, não se importam de correr riscos que na vida real não correriam, perdem o medo de falhar.A ideia é bem interessante. Por meio dos jogos, os alunos se relacionam com as situações que poderão enfrentar no mundo real, e o melhor,podendo aprender com os seus erros, sem enfrentar os risos do mundo lá fora até estarem devidamente preparados.
Caso você esteja curioso em saber como tudo funciona, saiba que a escola não possui uma grade curricular “normal”. Ou seja, não há matérias específicas como ciências ou geografia, mas sim um currículo integrado e pensado com o foco em problemas do mundo real. Por exemplo, em uma mesma atividade, os alunos trabalham conteúdos de história, matemática e inglês sem se darem conta.
Uma das aulas é feita toda dentro do jogo Minecraft, onde os alunos recebem objetivos que devem ser cumpridos das mais diversas formas, o que vale é a imaginação e maneiras inovadores de completá-los. Sem falar no fato de que até mesmo alguns FPS e o aclamadíssimo Portal 2 são utilizados para demonstrar aos alunos conceitos básicos de física.
As avaliações são todas feitas em forma de um grande objetivo, uma grande missão que se divide em várias quests ao longo da semana. Muito interessante, não? Pena que muito distante da realidade brasileira.
Ensinar e aprender jogando
Ainda que distante, o exemplo da Quest to Learn é importantíssimo para compreendermos que é possível sim um ensino onde os videogames estejam integrados. Will Wright, mundialmente famoso por sua franquia The Sims já previa essa importância dos videogames para a educação:O sistema educacional tradicional tem uma abordagem reducionista, aristotélica, não é feito para a experimentação em sistemas complexos e ou navegar através de um problema. E é isso que os videogames ensinam. Cada vez mais os professores vão usar os videogames para engajar as crianças.
Nem preciso dizer o quanto concordo com ele. Muito mais do que apenas ensinar inglês além do verb to be, os jogos são capazes de façanhas que vão além: servem como objeto de reflexão e críticas socioculturais marcantes. Como reflexos da sociedade, eles podem nos dizer muito sobre culturas, políticas e economias, sejam elas reais ou imaginárias. Na verdade, o que vale é a experiência diferenciada que você adquire ao jogá-los. São aprendizagens que, se mediadas por um bom professor, podem servir de base para o resto da vida.
No fim das contas, os videogames podem ser a solução perfeita para atrair e conquistar alunos de um país onde o abandono e o desleixo com a educação são marcantes. Torço com todas as minhas forças para que as palavras de Will se cumpram o mais rápido possível, e nossas crianças possam aprender sem saber que estão aprendendo, de forma lúdica, saudável e, mais importante, que esse conhecimento faça diferença e tenha aplicabilidade em suas vidas.
Revisão: Leandro Freire
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