Já se foi o tempo em que os videogames eram vistos apenas como “coisa de criança”. A décima arte conquistou espaços que nem o mais otimista dos gamers poderia sonhar. Mas é fato que até hoje muitos desinformados subestimam a capacidade desses produtos e os encaram apenas como mídias interativas. Você sabia que os jogos podem ter um papel muito mais importante do que apenas divertir? Confira o nosso especial e veja até que ponto os videogames influenciam a vida das pessoas.
Ainda não acredita? Pois saiba que já é cientificamente comprovado e amplamente conhecido, que médicos podem ter habilidades ainda melhores se jogarem videogames, mas não só, os seus pacientes também se beneficiam dessa maravilha tecnológica, e a matéria de hoje é justamente sobre isso.
Antes de entrar no assunto propriamente dito, deixo uma pequena ressalva: é óbvio que tudo tem dois lados. Não podemos simplesmente fechar os olhos e acreditar que videogames são a cura para os males do mundo. Da mesma forma que ele é benéfico, também pode prejudicar quando usado sem limites.
Apenas para lembrar, esses mesmos médicos que defendem o uso de videogames em seus tratamentos, também condenam o seu uso excessivo, pois pode causar dores de cabeça e dores musculares, diminuição de atividades físicas, obesidade e a famosa LER (Lesão por Esforço Repetitivo). Há casos seríssimos de pessoas que realmente ficaram doentes por jogarem videogame demais, mas isso, quem sabe, fica para uma próxima matéria. Enfim, o que estou querendo dizer é que, por mais que você não respeite, assim como eu, a imposição de duas horas de jogatina por dia, também não precisa aloprar e ficar mais de 10 horas só fazendo aquilo. Em outras palavras, perceba que existe vida além do console.
Mas que benefícios são esses?
Há muito tempo se fala que videogame pode ajudar na recuperação e/ou desenvolvimento de uma criança com, por exemplo, problemas neurológicos. Da mesma forma, diversos estudos realizados por pesquisadores e cientistas renomados comprovam isso. Nos EUA e na Europa, milhares de crianças – e adultos – se recuperam em hospitais que fazem uso do videogame como um instrumento de trabalho. Vou mostrar alguns exemplos que ilustram perfeitamente essa nova faceta dos games.
A habilidade dos jogos em levar as pessoas a esvair-se do mundo, ou em termos mais simples, deixar os problemas do dia a dia e pensar em outra coisa, foi um dos primeiros motivos que levaram os médicos a usarem videogames em seus tratamentos. Por exemplo, jogos são usados para distrair um paciente que sofreu de queimaduras graves e precisa trocar os curativos. Em alguns casos, os jogos podem até substituir a anestesia em cirurgias simples.
Sem falar em uma possível ajuda a pacientes que sofrem de depressão. Estudos cada vez mais comprovam que os jogos possuem uma imersão tão grande ou maior do que os livros. Visitar outros mundos pode fazer muito bem para a sua saúde mental, além de proporcionar pequenos prazeres que fazem toda a diferença.
Trate a sua fobia virtualmente
Tratamentos praticamente futurísticos. Essa é a premissa de Hunter Hoffman, diretor do Virtual Reality Analgesia Research Center (Centro de Pesquisas do Uso de Realidade Virtual para Tratamento da Dor) da Universidade de Washington. “A realidade virtual pode ajudar a controlar a dor e superar o medo e as memórias traumáticas”, afirma Hoffman. Os tratamentos são feitos com capacetes e óculos especiais que dão ao paciente uma passagem direta a um mundo virtual. Nesse universo, eles podem se aproximar de ambientes ou situações que, na vida real, eles não conseguiriam.
Para se ter uma ideia da dimensão do tratamento: acrofobia (medo de altura), claustrofobia (medo de locais fechados), aracnofobia (medo de aranhas) e até a incapacidade de falar em público, dirigir ou mesmo de voar, tudo isso pode ser tratado através da realidade virtual. Hoffman inventa diversos programas, um para cada tipo de fobia. Cerca de 80% dos pacientes que passaram pelo tratamento, se recuperaram totalmente.
Nos últimos anos, até mesmo soldados que retornaram da guerra do Iraque puderam contar com a ajuda do tratamento, que os auxilia a lidar com o transtorno de estresse pós-traumático. Estes jogos levaram a terapia de exposição a um novo nível, permitindo que os veteranos pudessem experimentar, sentir e ouvir as situações necessárias para processarem emocionalmente memórias traumáticas.
Essa é uma iniciativa que promete muito. Já existem até mesmo terapias para dependentes químicos, em que os simuladores de realidade virtual recriam um cenário onde o dependente pode enfrentar as tentações do mundo real em companhia do seu terapeuta. Será que com o tempo poderemos ver os videogames cada vez mais presentes no tratamento de distúrbios psicológicos? Espero que sim.
Brincando de combater o câncer
Roxxi é um revolucionário nano-robô que tem uma missão muito importante: entrar no corpo humano e destruir células cancerígenas de todo o organismo. Infelizmente esse ainda não é um fato real, é apenas o enredo de Re-Mission, um game eletrônico no qual o jogador controla Roxxi em sua missão de lutar contra o câncer. A produtora do jogo, HopeLab, é uma instituição sem fins lucrativos que cuida de jovens com doenças crônicas. A empresa foi fundada por Pamela Omidyar, esposa de Pierre Omidyar, fundador e presidente do conselho de vendas do site de leilões eBay.
A HopeLab divulgou que seus estudos envolvendo cerca de 400 jovens em diversos centros médicos pelo mundo demonstraram que, todos que jogaram Re-Mission, tinham maior chance de aderir ao penoso tratamento e a medicação do que os que não tinham contato com o jogo. Além disso, os pacientes se sentem mais confiantes na luta contra a doença, o que aumenta consideravelmente as chances de tomarem seus medicamentos de forma correta. O resultado foi até mesmo matéria da renomada revista Pediatrics, que publicou os resultados do tratamento.
“Eu sempre gostei de videogames e Re-Mission é legal porque me ajuda a entender o que está acontecendo dentro de mim e o que eu preciso fazer para ficar bom”, afirma Christian Harris, 12, gamer maníaco assumido e um dos garotos atendidos pelo HopeLab.
O game pode ser baixado de graça, além do visitante poder fazer uma doação para a entidade. Nem preciso dizer o quanto essa iniciativa da HopeLab é válida. Isso só demonstra que cada vez mais os jogos estão cumprindo um papel social que vai para além da diversão, levando esperança àqueles que precisam de força em momentos difíceis.
Recuperando vidas
É preciso reconhecer o valor e dar os devidos créditos à empresa que foi pioneira ao desenvolver um console que, no futuro, pudesse ajudar tantas pessoas a se recuperarem e que, mais importante, daria início ao que hoje se chama “gameterapia”. Parabéns, Nintendo! Quem poderia imaginar que o seu console ultrapassaria barreiras e abriria possibilidades tão amplas que chegassem até mesmo no campo da saúde? O Wii Fit foi uma verdadeira obra-prima que revolucionou a maneira de se jogar videogame, além de ter o poder de reunir toda a família, ele deixou as pessoas menos sedentárias, “obrigando-as” a se movimentarem junto com o personagem na tela. E convenhamos que um pouco de esforço não faz mal a ninguém.
As possibilidades são imensas, recentemente, o Ambulatório de Osteoporose do CAISM (Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher), em São Bernardo, revelou que utiliza o console em sessões de fisioterapia para tratar pacientes com osteoporose (doença que enfraquece os ossos). E o mais interessante é que muitos pacientes revelaram que começaram a praticar outros exercícios, como caminhadas, após terem experimentado a gameterapia.
As sessões duram, em média, 40 minutos e a cada 90 dias é aberto um novo grupo que irá utilizar o equipamento. São cerca de 30 pacientes que praticam o tratamento duas vezes por semana. “A grande vantagem de se fazer uma atividade física nesse equipamento é que ele tem uma plataforma que proporciona melhora na força muscular, na flexibilidade e no equilíbrio, diminuindo a dor e os riscos de quedas e fraturas”, intera o coordenador.
Mas é importante ressaltar que o acompanhamento profissional é necessário para que o paciente faça o exercício da forma correta, lembrando também que aquele período é de tratamento, não só de recreação.
Você pensa que acaba por aqui? Nem pensar! Os jogos também são usados no tratamento de pessoas com AVC, degeneração cerebral e lesões musculares. Segundo os próprios médicos, os videogames são ótimos aliados, uma vez que trabalham os movimentos, a coordenação motora, o equilíbrio e a memória, sem falar na concentração.
O fisioterapeuta Gustavo Freitas revela que o jogo de arco e flecha é o preferido da maioria dos pacientes. “Ele ajuda principalmente os portadores de Parkinson, pois melhora a concentração e o controle sobre os tremores”, conta.
Outro exemplo é o do Instituto de Reabilitação Lucy Montoro, em São Paulo. Os pacientes usam a câmera Eye Toy e uma TV grande para se verem na tela e, enquanto fazem movimentos, acompanharem e terem orgulho de sua própria evolução. É o que podemos ver na imagem abaixo, em que o estudante João Pedro Higushi, atropelado aos 14 anos, sorri ao perceber melhoras em sua condição.
No geral, o atendimento é feito com crianças, adolescentes e adultos após traumatismos cranianos, AVC e acidentes automobilísticos, com paralisia cerebral ou limitações cognitivas e motoras. Cerca de dez pessoas por dia, de 5 a 50 anos, passam por sequências de tarefas, memorização de figuras e outras atividades.
Vale ressaltar que a recuperação desses pacientes costuma ser mais rápida nos primeiros dois anos e depois demorar mais. Segundo o neurologista Alexandre Pieri, do Hospital Albert Einstein, independentemente de ser videogame, é importante sair da cama o quanto antes e manter uma atividade na área afetada.
Diversão que ultrapassa barreiras
Além de tudo o que já foi mostrado aqui, há também estudos que comprovam que os jogos melhoram a visão e percepção dos usuários, sem falar em sua capacidade analítica. Jogar estimula a capacidade de solucionar problemas, lidar com perdas e erros e, o que muitos não sabem ou preferem não descobrir, ajudam a desenvolver a capacidade de socialização. Segundo o Massachusetts Institute of Technology, aqueles que jogam videogames, pelo menos durante três horas por semana, cometem 40% menos erros no trabalho e produzem em um ritmo mais rápido, se comparados àqueles que nunca jogaram ou não possuem esse hábito.
Em decorrência de tudo o que foi dito aqui, não precisa ser nenhum gênio para perceber que os videogames, se utilizados da maneira correta, fazem mais bem do que mal. É uma pena que grande parte da sociedade brasileira ainda não tenha aberto os olhos, e a mente, para isso. Que pena, pois não sabem o que estão perdendo. O fato é que os videogames estimulam a imaginação, adoçam a vida, divertem e ajudam a proporcionar melhores condições de lazer e saúde para todos nós.
Revisão: Catarine Aurora
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