Você luta contra um dragão que possui uma barra de HP e o dano é mostrado em números vermelhos sobre a cabeça dele. Seu MP diminui a cada feitiço lançado e o combate é em turnos. Você andou por diversas aldeias até chegar nessa caverna, já num nível intermediário. Aí você pensa: "estou jogando um RPG!". Mas será que está mesmo? Afinal, você pegou esse personagem pronto, foi colocado numa história que é uma linha reta, sem possibilidade de escolha. O que diferencia esse jogo de um jogo de ação? Vamos discutir isso e tentar descobrir, afinal, o que é um RPG.
Interpretando
Antes de entrar na questão dos RPGs eletrônicos, é bom relembrar a história do RPG, já que o gênero partiu de um tipo de jogo "físico". Role Playing Game é um termo bem amplo, que inclui jogos como Dungeons & Dragons, GURPS, Vampiro: A Máscara e diversos outros, cada um com a sua particularidade. Mas o que todos têm em comum, como o próprio nome indica, é que são jogos de interpretação.
Você normalmente começa a jogar criando um personagem de acordo com o universo proposto pelo GM (Game Master), que é também quem cria e "controla" os NPCs (Non-Player Characters, personagens que permeiam o universo do jogo, sem estarem sob o controle de nenhum jogador; entre eles os monstros e inimigos). Essa pessoa controla como a história se desenrola, de acordo com as ações dos PCs (Player Characters, os personagens dos jogadores).
Um bom jogo de RPG não vai simplesmente se limitar a colocar um grupo de personagens atacando monstros, mas sim colocá-los para enfrentar coisas interessantes, que desafiem a ideia de personagem criada antes da história. Se o jogador é uma garota delicada e decidiu interpretar um bárbaro anão orgulhoso, o mestre poderia inserir uma situação em que ela tenha de responder como o personagem, e não como si mesma.
Para que o jogo funcione, cada sistema é imbuído de regras. Muitos desses usam atributos (como Força, Destreza, Carisma, entre outros), vantagens e desvantagens e um sistema de pontuação para equilibrar tudo isso. Em um combate, o jogador joga seus dados para avaliar o sucesso do ataque e o dano causado, e o mestre faz o mesmo com os inimigos. Tudo isso foi levado para a grande maioria dos RPGs eletrônicos. No entanto, outras partes mais importantes do gênero são deixadas de fora.
Vale lembrar que existem muitos sistemas de RPG que simplesmente abrem mão desse tipo de regra, favorecendo o lado de interpretação. O primeiro RPG da história chamava-se Jury Box e consistia numa série de casos judiciais, que os jogadores deveriam analisar e decidir o veredito, como um júri de verdade. No jogo não há números nem regras específicas, exceto uma interpretação de fato.
Dragões, espadas e uma barra de HP não garantem nada
Quando começaram a surgir os RPGs eletrônicos, eles eram quase todos baseados em Dungeons & Dragons. Ou seja: eles possuíam ambientação medieval e fantástica e muitos combates. A forma encontrada para traduzir as mecânicas do RPG "de mesa" para o eletrônico foi inserir os atributos, números e batalhas em turno. A ideia de colocar um personagem que você nomeia provavelmente é o jeito mais acessível que encontraram de criar uma ilusão de escolha.
Final Fantasy VII aparece como um dos melhores RPGs em qualquer lista, em qualquer lugar. Afinal, o jogo possui barras de HP, atributos, batalha em turnos... mas o protagonista, Cloud, é um personagem fixo, estático, sobre quem o jogador tem controle, mas não decide de fato os rumos. A história tem um ponto inicial e um ponto final, e não importa o que você faça no meio, a linha que é o protagonista vai sempre ter o mesmo destino. Se RPG significa jogo de interpretação de papéis, onde está a interpretação?
Ok, antes que você quebre o seu monitor de raiva, não estou questionando a qualidade da série Final Fantasy. Isso fica para todos os outros sites. O fato é que essa classificação como RPG é uma coisa arbitrária e que não leva em conta de fato o que o gênero é. Será que Final Fantasy é mesmo um RPG?
"Isso tudo é pra puxar o saco de RPG ocidental!"
Mesmo em jogos como Elder Scrolls ou qualquer título da Bioware, a coisa pode ficar meio confusa. Tome Mass Effect 3 como exemplo: o jogo tem elementos de RPG fortes (o personagem sobe de nível, adquire habilidades, tem atributos e uma enorme liberdade de escolha), mas a jogabilidade em si é a de um shooter em terceira pessoa. Isso descaracteriza o jogo como RPG?
A resposta é: não. Assim como o fato de Final Fantasy não ter nada de interpretação não descaracterizar o título em questão como RPG. São dois casos opostos: enquanto a grande maioria dos JRPGs utilizam somente as mecânicas do gênero, o RPG ocidental se apropria quase que somente do fator interpretação, inserindo batalhas em tempo real e "escondendo" os atributos, deixando quase nada de números à mostra. Ambos são chamados de RPG.
Eu nem estou batendo tanto na tecla da criação de personagens, já que Deus Ex: Human Revolution não permite nada de alteração no protagonista. Mas um mínimo de alteração (escolher que tipo de atributos "evoluir", por exemplo) e uma liberdade de decisão que esteja presente pelo menos nos diálogos são elementos importantes em qualquer jogo do gênero. Após Final Fantasy X, a Square começou a inserir essas ideias na série, especialmente a de carreira. Final Fantasy XII, apesar de sua história sem graça, é um ótimo exemplo: seus personagens têm as habilidades definidas por você, que pode moldá-los como magos, guerreiros mais "pesados" ou treiná-los para usar apenas armas leves, enfim... você pode desenvolver seus personagens como quiser.
Elementos e alma
Todas essas coisas: HP, MP, batalhas aleatórias, criação e personalização de personagem, níveis... cada uma dessas palavras são um elemento do RPG, mas não a alma. É possível um jogo possuir diversos elementos desses, mas simplesmente não ter aquela sensação de imersão necessária para que você acredite que está no comando. Ainda que a história seja uma linha reta, o jogador precisa ter a possibilidade de fazer um emaranhado entre o ponto inicial e o ponto final, seja em side quests, seja em decisões dentro da trama, seja na escolha das habilidades do personagem a cada nível ganho. A alma do RPG é aquilo que dá a capacidade do jogo te inserir no lugar daquele personagem, seja ele criado por você ou por outra pessoa, e principalmente é aquilo que possibilita que você decida como desenvolver o personagem.
Com essa "lindíssima" imagem, os fatos apresentados e argumentos lançados, só me resta perguntar: afinal, o que definiria um jogo como RPG? Defenda seus pontos de vista e contribua para essa discussão polêmica nos comentários!
Revisão: Samuel Coelho
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