Todo mundo já está cansado de ouvir aquela velha história de que os games contribuem para a violência das crianças e aquele blá blá blá todo. Inúmeras notícias sensacionalistas associam o comportamento violento das crianças com algo que ela jogou em sua infância. Acontece que, por mais que a mídia continue veiculando essa imagem negativa aos videogames, não existe nenhum estudo que comprove a veracidade dessas afirmações. Pelo contrário, diversos acadêmicos têm cada vez mais demonstrado os benefícios dessa forma de entretenimento. Pensando nisso, a seguinte matéria procura discutir a questão de como os games são importantes para o desenvolvimento da criança.
Pessoal, me sinto honrado em dizer para vocês que uma nova coluna está estreando aqui no PSBlast. Com o título de “Analógico”, ela já faz parte do nosso irmão mais velho NintendoBlast, estando a cargo do competente Bruno Grisci e demais colaboradores. Em linhas gerais, serão tratados aqui temas pouco “ortodoxos”, porém muito divertidos e relevantes, tais como: comportamento gamer, roteiros, facetas acadêmicas, aspectos socio-culturais e políticos dos games e por aí vai.
A primeira matéria será um especial sobre como os games podem e devem fazer parte do cotidiano das crianças. É preciso abandonar o velho preconceito de que os jogos só servem para “estragar” e levar os jovens ao ócio. Partindo desse princípio, serão discutidas teorias muito interessantes que desmentem essa falácia e mostram que as crianças crescem muito mais saudáveis (mentalmente falando) jogando videogames.
É claro que sempre existem exceções, há realmente crianças que, por uma série de fatores sociais, não conseguem dissociar a fantasia da realidade e acabam sendo prejudicadas pelo uso excessivo dos games (ainda que não haja relação entre comportamento considerado psicopata e o uso de jogos violentos). Porém, essa questão é assunto para outra matéria.
Mas chega de explicações longas. Apertem os cintos e “vamo que vamo”.
Ser criança hoje em dia…
Que os games são obra de arte todo mundo já sabe! Mas nem todos conhecem a faceta acadêmica dessa forma de entretenimento. Objeto de estudo de grandes teóricos, existem teses e mais teses (infelizmente, a maioria se encontra em língua estrangeira) sobre o papel desses jogos para a sociedade. Seja como propagadores de ideologias, articuladores sociais ou mesmo uma nova forma de narrativa hipertextual, o fato é que os games vão muito mais além de simples formas de entretenimento, eles também servem para contar histórias e divertir.
É um fato que ser criança hoje em dia é bem diferente do que na época dos nossos avós. Mesmo a geração que nasceu entre 1985 e 1990 já deparou-se com um cenário completamente diferente. As bonecas de pano e os peões deram lugar aos jogos cada vez mais realistas, que possuem um poder de imersão e influência muito grandes.
Juntamente com eles, também vieram uma série de preocupações que todos nós já estamos mais do que acostumados a ouvir: “mas você fica infurnado dentro de casa o dia inteiro jogando essa coisa”; “você nem sabe o que é sujar o pé jogando bola na rua”. Exageros à parte, é mais ou menos por aí. Há de se levar em conta a questão de que as crianças de hoje em dia (nascidas após 2000) estão inseridas em uma realidade muito diferente da nossa “velha guarda”.
Há realmente crianças que não conhecem outras formas de se divertir a não ser pelos videogames. Isso é um problema? É sim! Também não vou cair na visão romântica e equivocada e dizer que os jogos são a forma mais saudável de diversão. Elas precisam tomar contato com o “mundo exterior”, se machucar, se frustrar, se sujar.
O que eu não concordo é com o fato de que a sociedade impõe aos games uma responsabilidade que não lhes pertence. Na época dos nossos avós, também existiam brigas, assassinatos e tudo mais e não havia videogame para ser culpado. Hoje em dia, é frequente nos notíciários da TV, reportagens mostrando jovens que entram em escolas e simplesmente começam a atirar em todo mundo, ou então de brigas constantes entre alunos mais novos. De quem é a culpa? Dos videogames é claro, que ensinam como matar, bater e desrespeitar as leis de forma descarada. Ao menos é essa a mensagem que passam para nós.
A mídia do “cientificamente” provado
Os jogos são considerados artefatos nada inocentes. Segundo “especialistas”, eles educam de alguma forma: educam para o consumo; educam para a violência; educam para os papéis de gênero. De uma forma ou de outra, esses “estudiosos” reafirmam o caráter negativo do seu papel pedagógico. Talvez esse seja um dos motivos que fazem com que pais, políticos e a sociedade em geral discutam tais jogos, por intermédio da mídia, como artefatos que ocupam enormemente o tempo das crianças, deslocando com tanta força os interesses dos infantes para jogá-los.
Em muitos países, tais como os EUA, a China e Coreia do Sul, os esforços para regulamentar os videogames voltaram com força total. O argumento: além de viciar como qualquer droga, os games contribuiriam para o comportamento agressivo dos jovens. Ok! Esses esforços podem até ser bem intencionados, mas essas “pesquisas científicas” utilizadas para se obter resultados são totalmente infundadas e contêm falhas básicas. Citarei um exemplo desse “experimento” realizado:
Um estudo publicado em meados de 2005 por professores da Iowa State University e do Lenoir Rhyne College, ambos nos EUA, tinha como objetivo medir a violência em alguns jovens escolhidos. No teste, eles ouviam um barulho – detonado por outro competidor – quando perdiam um jogo. Quatro métodos foram usados para descobrir se os participantes se irritavam com aquilo. Apenas em um desses métodos a irritação apareceu. Resultado? Os pesquisadores simplesmente ignoraram os outros três métodos que não deram resultado e se concentraram no que se mostrou um pouco efetivo. Uma tese inteira foi publicada partindo desse resultado totalmente direcionado e manipulado.
Esses “pesquisadores” difundem a ideia de que os games geram o mesmo risco para a sociedade que ameaças de saúde pública, como o cigarro. São essas pesquisas medíocres que levam a sociedade a pensar que games como Bully (proibido no Brasil) realmente levam as crianças a praticar o ato em si. No próximo tópico, mostrarei como é justamente o contrário, por meio de games como esse as crianças podem tomar contato com uma realidade social e se posicionar diante dela.
Agora, quando se utiliza métodos sérios de pesquisa, assim como medidas válidas para se medir fatores como a agressão, os efeitos dos games no quesito violência mostram-se irrelevantes. Os estudos indicam que games causam aumento entre 0 e 2,3% no nível de agressividade. É muito pouco. Para ser mais claro, no debate sobre violência, um lado defende que o efeito dos jogos é nenhum, e o outro defende que é quase nenhum. Recentemente, até mesmo a Suprema Corte dos EUA reconheceu que não há uma conexão entre a exposição de jogos violentos e o comportamento agressivo das crianças.
Violência saudável
O que venho apresentar para vocês, é um estudo muito interessante do autor Gerard Jones, responsável pelo livro “Brincando de Matar Monstros: Porque as crianças precisam de fantasia, videogames e violência de faz-de-conta”. Esse é um daqueles clássicos exemplos de que jamais se deve julgar um livro pela capa. Com seriedade, pesquisas fortemente apoiadas em embasamento empírico e teorias auto-sustentáveis, o livro de Gerard dá um banho em diversos estudos simplórios que possuem os games como objeto. De fato, esse texto nos convida a dialogar a respeito do tema sob outro viés, uma forma de ver determinadas atitudes das crianças com um olhar mais próximo da infância e um pouco mais distante da lógica adulta.
Em outras palavras, o livro nos leva a pensar a violência como um fator absolutamente necessário para que a criança se desenvolva, pois é através da violência que elas podem experimentar os limites do faz de conta e da realidade. A sociedade simplesmente não deve condenar os impulsos agressivos das crianças, pois isso é inerente a todo ser humano.
Vai dizer que você, leitor, quando criança nunca machucou algum colega de classe? Ou mesmo nunca sentiu-se feliz ao brincar de guerra e lutinha? Acredito que a maioria de nós fez isso e, piadas à parte, creio que poucos ou nenhum se tornou um guerrilheiro ou um atirador. Gerard aponta inclusive que a agressividade é um fator social absolutamente indispensável para a nossa vida, pois nos ajuda a enfrentar os obstáculos do cotidiano e até mesmo as nossas dificuldades. Se nos rendermos a essa imposição da sociedade atual, que deseja apagar esses vestígios nas crianças, corremos o sério risco de, no futuro, dar origem a uma multidão de adultos que se frustram com facilidade e, pior ainda, desistem dos seus sonhos diante da primeira dificuldade.
Para que as crianças possam usar suas brincadeiras fantasiosas a fim de dominar seus medos, precisam enxergá-las como fantasias completas. Para ajudá-las a diferenciar fantasia e realidade, às vezes é preciso que nós mesmos aprendamos um pouco a respeito dessa diferença. (JONES, 2004, P 123.)
Logo, quando a sociedade deseja proibir uma criança de jogar GTA, pois ela crescerá como um adulto violento, quem está sendo fantasiosa, a sociedade ou a criança? Vejam a diferença. Quando uma criança joga GTA ou qualquer outro game, ela entende a brincadeira dentro de um contexto geral, o da fantasia. Já para a sociedade (que inclui os pais desinformados) o ato de jogar um jogo violento faz com que ela tenha um projeção futurista de um momento que não é real (o crescimento de um adulto violento).
Trocando em miúdos, em muitos casos, a sociedade está se posicionando de maneira errada no que diz respeito ao fato de as crianças jogarem videogames. Com o devido acompanhamento dos pais, essa atividade pode ser saudável em diversos aspectos. A infância é uma fase onde a criança passa por constantes mudanças de comportamento, de modo que muitas de suas frustrações podem ser resolvidas quando ela pode brincar de viver papéis diferentes dos que normalmente vive na realidade.
O cerne da questão é que os videogames servem como uma espécie de válvula de escape para a agressividade, e não como mola propulsora. Psicólogos têm desenvolvido teses que demonstram o seguinte fato: ao jogar um jogo “violento” (qualquer jogo que envolva o ato de matar), as crianças não estão acumulando agressividade, mas sim liberando-a. O próprio autor do livro, que é pai, relata um acontecimento onde o seu filho chega em casa nervoso por ter sido provocado por outros alunos na escola, só que ao jogar videogame, ele claramente demonstra sinais de que está mais tranquilo.
Assim, matar todo mundo no Battlefield 3 não torna seu filho o mais ápito a ser o sucessor do Tio Osama, pelo contrário, ele provavelmente está eliminando o estresse e diversas outras formas de agressividade por meio da diversão
A violência do entretenimento compreende bem mais do que as fantasias de super-heróis do início da vida. Ela assume formas mais problemáticas e representa papéis mais complexos. Mas, no fundo, tem a ver com a satisfação de se sentir grande e forte, com a liberdade de ser capaz de sobreviver a qualquer coisa e superar qualquer obstáculo. Tem a ver com ação, poder e controle sobre a vida. (JONES, 2004, P 83.)
A fantasia muitas vezes é a solução
Fecho a matéria de hoje com um apelo: pais, ao invés de proibirem seus filhos de jogarem games violentos, joguem com eles. Por mais que as crianças tenham a capacidade de discernir muitos aspectos, a sua explicação entre o real e o imaginário é fundamental para que o seu filho cresça saudável.
E mais, games como o já citado GTA, contribuem para que o seu filho, desde pequeno, desenvolva noções de certo e errado. Por mais que ele se divirta atropelando pedestres e assaltando bancos no mundo virtual, desligou-se o console e pronto, a vida continua, só que muito mais divertida.
Portanto, é preciso se informar antes de tomar medidas que podem sim, influenciar no modo como o seu filho cresce. Infelizmente, vivemos em um país onde as pessoas sentem-se mais confortáveis vendo reportagens sensacionalistas na TV, do que irem atrás de informações pertinentes que possam contribuir, de maneira válida, para a educação dos seus filhos.
Tenham em mente que brincar com o ódio é uma maneira valiosa de reduzir o seu poder. Ser mau e destrutivo na imaginação – ou por meio de um personagem na tela – é uma compensação vital para a loucura a que todos nós precisamos nos submeter se quisermos ser pessoas melhores.
venho em nome da galera do NBlast dizer que a coluna esta a altura da feita pelo Bruno...Parabéns Rayner Lacerda, ótma matéria!
ResponderExcluir*ótima
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