Poucos games são capazes de oferecer uma experiência de imersão tão forte quanto os títulos de uma equipe japonesa de desenvolvedores conhecida como Team Ico. É raro encontrarmos jogos que nos fazem se sentir dentro de seu universo único, cativante, estimulante e misterioso, fazendo despertar sentimentos e emoções até mesmo no mais coração-de-pedra dos amantes dos videogames.
O primeiro trabalho desse estúdio, que possui o singelo nome de Ico, chegou ao mercado da sexta geração em 2001 no Japão e nos Estados Unidos simultaneamente, ganhando uma versão Europeia posteriormente. Com um estilo minimalista, um extenso e complexo cenário e uma dose de emoção dificilmente vista em outros jogos, Ico conquistou seu lugar na história dos jogos eletrônicos, se tornando um verdadeiro cult.
O menino maldito
Em um misterioso e desconhecido mundo, há um vilarejo cujos habitantes acreditam que passaram a ser assombrados por um terrível destino. Entre eles, nasceu um menino que espantosamente é dotado de chifres em sua cabeça. Conforme a milenar tradição local, sempre que uma criança nasce com chifres ela é sinal de mau agouro e eles deveriam se livrar dela para evitar que seu vilarejo seja ameaçado.
Assim que a criança atingiu determinada idade, os anciões decidiram seguir a tradição e banir o garoto - chamado Ico - do vilarejo, ordenando que os guerreiros locais o conduzam a um enorme castelo abandonado que ficava distante da vila. Os guerreiros assim o fazem e, tão logo chegam ao castelo, o trancafiam em um sarcófago de pedra e o abandonam. Momentos depois, já com os guerreiros distantes do castelo, um enorme tremor faz com que o sarcófago se quebre, libertando o pequeno Ico, que começa a explorar o gigantesco lugar.
Em determinado local do castelo, Ico encontra uma jaula pendurada no teto. Dentro dela, uma misteriosa menina chamada Yorda se encontra prisioneira. Yorda fala uma língua estranha e desconhecida para o jovem Ico, que resolve liberta-la de seu cativeiro. em seguida o casal é surpreendido pela Rainha do castelo, que também é mãe de Yorda e revela seu plano de acabar com a vida da própria filha, com o intuito de prolongar a sua própria. Assim, Ico e Yorda resolvem fugir do castelo a qualquer custo, iniciando uma emocionante aventura cheia de exploração, mistérios, quebra-cabeças e criaturas sombrias.
Time dos sonhos
O início do desenvolvimento de Ico - que levou quatro anos para ser concluído - pode ser definido como tão minimalista quanto o próprio jogo: Originalmente projetado para ser lançado para o PSOne, o conceito de Ico foi idealizado no ano de 1997 por Fumito Ueda, que queria fazer um jogo em que pudéssemos controlar um menino e uma menina que andariam sempre de mãos dadas, estabelecendo um elo afetivo entre eles. No início, Ueda contava apenas com a ajuda de Kenji Kaido, que desenvolveu a ideia inicial junto com ele. Tempos depois, Ueda e Kaido conseguiram arregimentar mais profissionais, sendo dois programadores, um designer e quatro artistas variados (além deles próprios), formando o que hoje conhecemos como o Team Ico.
Apesar de Ueda e sua equipe estarem trabalhando sob uma metodologia que visava incrementar o jogo com o mínimo de elementos possível (denominada design de subtração), após dois anos de trabalho eles se depararam com as capacidades limitadas do PlayStation e decidiram adiar o desenvolvimento até o surgimento do próximo console da Sony, que a esta altura já havia sido lançado. Agora podendo contar com as novas possibilidades da Emotion Engine - a ferramenta de desenvolvimento do PlayStation 2 - o Team Ico conseguiu concluir o jogo com as ideias que Ueda tinha em mente.
Realismo soturno
Ico possui um visual que aparentemente não impressiona à primeira vista, sendo bastante sutil e minimalista em diversos aspectos. Não há efeitos especiais de última geração, como em jogos posteriores do PlayStation 2. Os cenários possuem texturas simples, os efeitos de iluminação - embora muito bem feitos, como a luz das janelas em salas escuras - dão a impressão de serem meio embaçados (graças aos efeitos de blur adicionados ao jogo) e a movimentação dos personagens não é das mais realistas (o jovem Ico mais parece um boneco de pano, mexendo os braços de forma estranha enquanto corre). Boa parte desses defeitos se deve à capacidade limitada de espaço disponível no disco (Ico foi um dos raros jogos de PlayStation 2 lançados em CD-ROM, em vez de DVD. A versão em DVD foi lançada somente na Europa, devido aos vários idiomas que ocupavam espaço adicional no disco).
Entretanto, havia uma única característica que tornava o visual de Ico belo e único: a excelente e perfeita arquitetura do enorme castelo. Repleto de salas, corredores, lugares abertos, passagens estreitas e salas com uma infinidade de engenhosos quebra-cabeças, o castelo impressiona com o realismo com que ele foi concebido, passando a impressão de que é um castelo de verdade, mesmo se tratando de um jogo de fantasia. Aliás, chega a ser estranho notar como um jogo com tantas limitações na parte gráfica consegue ter um visual tão sublime e contemplativo, nos provando como o Team Ico já era formado por profissionais talentosos desde seu princípio.
Os próprios quebra-cabeças do jogo, em sua maioria, foram criados de forma harmônica com a arquitetura do castelo, reforçando a importância vital de solucioná-los para que Ico e Yorda conquistem a liberdade. É como se o jogador estivesse se aventurando em uma dungeon de The Legend of Zelda: Ocarina of Time (ou qualquer Zelda posterior a esse), mas umas 5 ou 6 vezes mais extensa e com um apelo muito maior para os mecanismos dos quebra-cabeças do que no jogo da Nintendo.
Ico não se contenta em ser um mero jogo realista e se esforça para mexer com os nossos sentimentos de todas as maneiras possíveis e imagináveis. O clima de solidão é fortíssimo nas dependências do castelo: quando Ico e Yorda não estão enfrentando hordas de monstros das sombras - que tentam sequestrar a jovem dama e arrastá-la para a dimensão da Rainha - eles passam uma grande parte do tempo caminhando por lugares totalmente vazios! Como o jogo quase não tem músicas, apenas os sons do ambiente - que são primorosamente bem executados - ecoam nos ouvidos do jogador, com barulhos de vento soprando, o som dos passos dos jovens, o rugir dos monstros e o som de engrenagens girando e correntes balançando.
Venha comigo se quiser viver!
Bom, quando eu disse que Ico E Yorda enfrentam monstros, isso foi apenas uma força de expressão, pois eis aí mais um dos elementos que nos fazem ter um forte apego por eles durante toda a aventura: a sua jogabilidade singular. Durante toda a aventura Yorda não faz nada além de acompanhar Ico aonde quer que ele vá e é necessário pegar sempre na mão dela, conduzindo-a. O máximo que Yorda pode fazer é escalar alguns muros muito baixos e abrir portas mágicas localizadas em pontos-chave do castelo para que o casal avance.
Quanto a Ico, ele tem a missão não apenas de levar Yorda consigo, mas também de defendê-la a qualquer custo, combatendo os monstros que tentam raptá-la e nunca deixando-a sozinha. Caso Ico se distancie da jovem, os monstros de sombras partem para cima dela arrastando-a para um postal aberto no chão. Se Ico demorar demais em puxá-la de lá é Game Over!
Existem diversas armas espalhadas pelo castelo. Ico começa com um simples pedaço de pau (que pode também ser usado como tocha, para iluminar locais escuros e matar os monstros de sombra mais facilmente). Posteriormente, Ico poderá usar uma espada e também várias bombas espalhadas em locais específicos, para abrir passagens secretas e explodir estruturas importantes.
A cereja no bolo da jogabilidade é o que torna Ico uma experiência cinematográfica: Não existem elementos indicativos na tela, como barras de life, pontuação, nem nada do tipo. O Team Ico propositalmente deixou o jogo sem nenhum tipo de HUD (Heads-Up Display), para garantir que o jogo se pareça com um filme! Se você quiser saber como está a saúde de Ico, vai ter que ser "no olhômetro" mesmo!
Liberdade!
Ico é mais do que um simples jogo de plataforma, ele consegue ser uma verdadeira experiência interativa e cinematográfica, feito sob medida pra quem procura um jogo imersivo, cativante e de altíssima qualidade. Parte do pacote Ico and Shadow of the Colossus Collection - onde ele recebeu um merecido tratamento HD em seus gráficos - Ico é simplesmente obrigatório.
Este é apenas um pequeno exemplo de como os games podem mexer com os sentimentos dos jogadores. Se em algum momento houve uma contribuição para a discussão se jogos eletrônicos devem ou não ser tratados como uma forma de arte, Ico deu essa contribuição, contando fortemente como um ponto positivo nessa conversa.
Revisão: Leandro Freire
"The Legend of Zelda: Ocarina of Time (ou qualquer Zelda posterior a esse), mas umas 5 ou 6 vezes mais extensa e com um apelo muito maior para os mecanismos dos quebra-cabeças do que no jogo da Nintendo."
ResponderExcluirPorque só os zeldas anteriores?! Se for pelo 3d blz, mas todo zelda é feito de enigmas...
Rapaz sobre os enigmas de ico e em comparação a zelda toma cuidado com a generalização, sinceramente não acho os enigmas de ico com o apelo muito maior do que as dungeons de zelda twiligt princess.
Ico é lindo, o team ico é foda, mal posso esperar o proximo jogo do Ueda...