16, 14, 15, 17, 25. Enquanto você estiver andando pelos vários locais de um vilarejo, escutará essa e outras estranhas sequências de números repetida inúmeras vezes em rádios, telefones e televisões. Mas o que ela quer dizer? É apenas parte de um mistério maior. Uma trama repleta de emoções que vai levar o jogador a pensar sobre assuntos que normalmente não são levantados por um game. Vamos tentar descobrir o que aconteceu em Everybody’s Gone to the Rapture.
Alô? Tem alguém aí?
Assim que você ganha o controle de seus movimentos e observa os seus arredores, a primeira coisa que vem à mente é a beleza do mundo que lhe cerca. A Chinese Room fez bom proveito da Cry Engine, mesma engine gráfica que nos fez ficar de queixo caído com o visual de Crysis 2. A riqueza de detalhes impressiona, e, em certos momentos, é fácil se perder nesse belo mundo por alguns minutos, apenas apreciando a paisagem. E a mistura desse visual deslumbrante com o som do vento nas folhas e os cantos dos pássaros confere um charme (e uma melancolia) especial à Everybody’s Gone to the Rapture.A riqueza de detalhes e beleza do mundo digital impressionam. |
Mas, deixando o cenário de lado, a questão é: onde está todo mundo? Acredito que nenhum jogador experimentará uma maior sensação de solidão do que em Rapture. Você percorre os diversos locais de um vilarejo no interior da Inglaterra, mas não há ninguém. Às vezes, tem-se a impressão de que o tempo simplesmente parou, como quando você se depara com um carro cheio de bagagens abandonado no meio da estrada, com um piquenique inacabado. E é justamente esse o objetivo do game ao lhe dar o controle: explorar a pequena cidade em busca de respostas para o súbito desaparecimento de seus habitantes.
Rapture é um game de exploração, mas os desenvolvedores erraram feio ao configurar os controles. Além de permitir pouca interação com o ambiente — se limitando a pressionar o “x” para abrir portas ou ligar e desligar aparelhos —, o game exige muita paciência para que o jogador percorra seus longos cenários. São grandes distâncias que devem ser percorridas a pé e, mesmo tendo que observar cada canto, é irritante a velocidade baixa de movimento. A Chinese Room recentemente lançou uma atualização que adiciona a funcionalidade de andar mais rápido segurando o R2, mas não avisar ao jogador sobre isso em nenhum lugar além do menu é apenas tentar tapar o sol com a peneira.
Parece que o tempo simplesmente parou... |
As respostas estão na luz
Mesmo com a irritante lentidão do personagem, o ritmo do game consegue se alinhar à história de forma fantástica, sem deixar o jogador entediado ou cansado em momento algum. A trama é dividida em cinco partes, cada uma se passando em um local diferente do vilarejo e com foco em um personagem especial. Mas, afinal, tudo se resume a andar e observar e tocar no que está à sua volta? Não: Rapture é mais do que isso. Como se pode ouvir em um momento do game, “as respostas estão na luz”. Ela é a chave para compreender o que houve com as pessoas."Siga a luz" |
Ao longo dos trajetos, você vai ser acompanhado por um jato de luz que passeia por diferentes locais. Ao segui-lo, irá encontrar pontos de luz que, quando manipulados com o sensor de movimento do Dualshock 4, mudam de intensidade e frequência, revelando eventos passados; então, um pouco da história se desenrola. Ao observar a vida dos habitantes antes e durante o “evento”, o jogador se dá conta de como as vidas dessas pessoas foram subitamente transformadas, e que, no fundo, cada um estava apenas tentando “sobreviver” aos seus problemas pessoais e cotidianos.
Interessante como o desenvolvimento da trama possibilita ao jogador criar várias hipóteses sobre o que aconteceu com o vilarejo. Cada áudio e cada relato novo acrescentam elementos que permitem elaborar os cenários mais fantasiosos sobre o “evento”. O melhor é que quando se chega ao final e enfim se compreende a verdade, Rapture consegue manter todas as possibilidades que o jogador imaginou ainda válidas. É como um filme de mistério que cria um final em aberto, mas que o espectador já pode imaginar como acabou. São poucos os games que conseguem construir uma trama tão bem planejada e que não deixam o jogador cansado depois de ouvir o décimo trecho de diálogo.
De uma estranha forma, as lembranças das pessoas desaparecidas estão preservadas na luz. |
Clímax de sentimentos
Everybody’s Gone to the Rapture foi o jogo mais emocional que já joguei. Notem que eu falei “emocional” e não “emocionante”. Digo isso no sentido que foi uma experiência que mexe diretamente com questões muito profundas sobre a vida. Apesar de todo o cenário de ficção que envolve a trama, no fim, ele é uma aventura filosófica. O que realmente conta, quando chega a hora fatal e deixamos esse mundo e todos nele para trás? Importa o dinheiro, as posses ou mesmo aquela briguinha ridícula que você tinha com seu vizinho? E o mais importante: qual é o nosso legado? Será que tudo acaba quando definitivamente acaba?No fim da vida, o que realmente importa? Qual a "luz" que deixamos ecoando no mundo? |
Rapture passa durante todas as suas três horas de gameplay uma sensação de solidão, depressão e, em certos momentos, um terror invísivel, pois não se sabe de onde aquilo que desapareceu com todos pode ter surgido ou onde está escondido. Mesmo assim, no final da jornada, o único sentimento que ficou no meu coração gamer foi a esperança. O game nos ensina, de sua maneira ficcional e extremamente profunda, que nada do que fazemos em vida é esquecido e que a morte não é o fim. Por mais terrível que tudo possa parecer, nós continuamos existindo. Nossos traços são preservados e nossas ações ecoam pelo mundo como os raios de uma lanterna atiram luz em meio à escuridão. Como a cientista Kate fala em um dos aúdios: "Esse mundo já existia antes de nós. E vai continuar existindo depois que partirmos...".
Prós
- Belo visual;
- Trama emocionante e ótimas interpretações;
- Ótima trilha sonora.
Contras
- Horrível velocidade de movimento.
Everybody’s Gone to the Rapture - PS4 - Nota: 9.0
Revisão: Bruno Alves
Capa: Daniel Serezane
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