Na última década estamos acompanhando uma nova onda na
internet em que as pessoas se sentem na obrigação de compartilhar e ostentar
tudo aquilo que fazem. Dessa maneira, seus gostos são filtrados pelas grandes
redes sociais e toda a publicidade encontrada nos sites são voltadas ao seu
perfil, tornando-a mais eficaz. Remember Me, título de estreia da francesa
DONTNOD, explora a temática de uma maneira muito mais profunda, contando com um
enredo bem encadeado que gera profundas reflexões no jogador.
Comercialização de memórias
Remember Me se passa no ano de 2084 em Neo-Paris, uma nova
cidade construída sobre Paris após sua destruição em uma gravíssima guerra
civil. A cidade, infestada de arranha-céus, possui uma arquitetura muito
moderna, de cores vibrantes e formas arredondadas. No universo do jogo, uma
empresa chamada Memorize, fundada em 1984 –
ano que faz clara referência ao
clássico homônimo de George Orwell – começa a realizar estudos sobre o
comportamento da memória humana e a possibilidade de alterá-las quando
necessário. O produto de tal pesquisa é o Sensation Engine, mais conhecido como
Sensen, um dispositivo acoplado na nuca da população que é capaz de guardar
memórias por toda a eternidade, além de criar algumas novas. Vamos dizer que
você sempre sonhou em realizar uma viagem e nunca pode. O Sensen é capaz de
criar essa memória em seu cérebro e tudo parecerá real, como se aquilo
realmente tivesse acontecido.
Neo Paris é um lugar vibrante! |
Logo o produto virou mania, e todos começam a ter as
memórias de momentos que sempre sonharam em ter, mas nunca tiveram. As ruas de Neo-Paris contam com estações que vendem as mais
variadas memórias e enfim, o cérebro humano passa a virar negócio. Mas nem tudo
são flores nesta situação. Eis que o Sensen começa a gerar efeitos colaterais
gravíssimos em seus usuários, fazendo com que eles não saibam mais diferenciar
o que é real do que foi inserido em seus cérebros, de forma que a sociedade
começa a se corromper gradativamente. Diversos habitantes ficam completamente
fora de si, e não tem mais nenhuma ideia de onde vieram ou o que estão fazendo.
Neste contexto, um grupo chamado Errorists luta contra as grandes corporações
em busca da liberdade da população em ter suas próprias memórias e do fim da
manipulação de seus cérebros.
Essa é a aparência daqueles que tiveram seus cérebros dilacerados pelo Sensen |
O jogo se inicia com Nilin, uma das mais procuradas
Errorists dentro, de Bastille, uma prisão de segurança máxima construída para
deter os revolucionários que desejam acabar com a opressão imposta pela
Memorize (alguém pensou em uma nova Revolução Francesa?). Nilin teve sua
memória formatada pelos guardas do local e não faz a menor ideia de como foi
parar lá. É quando Edge, líder do grupo revolucionário, contata Nilin e dá
instruções para que ela escape do local. Sem muitas opções e não sabendo em quem
confiar, a jovem segue as instruções e consegue escapar da fortaleza. Assim se
inicia a jornada da garota em busca de suas memórias e da verdade, mesmo que
não saiba em quem pode confiar pelo caminho.
Explorando Neo-Paris
O universo criado pela DONTNOD é incrível. A ambientação é
muito imersiva e tudo foi planejado nos mínimos detalhes. Seja nas áreas menos
favorecidas da cidade, como a favela, local onde encontramos pessoas jogadas
pelos cantos implorando por uma memória feliz, ou o centro da cidade, em que a
elite está tranquilamente passeando e comprando novas e boas memórias, tudo foi
claramente criado com muito esmero e cuidado. Em minhas andanças pela cidade,
me deparei com as mais diversas situações de interações entre NPCs, telejornais
noticiando minha fuga da prisão e até mesmo robôs seguindo ordens de seus
donos. A cidade tem todo aquele clima de filmes de ficção científica e a
modernidade se une de forma orgânica à depredação e pichações anti-memorize
feitas pelos Errorists.
Nem tudo são flores na cidade |
O jogo conta com oito capítulos que duram pouco mais de uma
hora cada e é bastante linear. Este, talvez seja um de seus maiores
problemas. Remember me é um título guiado completamente pela história, de
maneira que a desenvolvedora não quer que o jogador se desvie muito de seu
caminho para que não perca o fio da meada. Contudo, os caminhos se limitam a
corredores (tal como em Final Fantasy XIII), com algumas seções de parkour em
que os controles não respondem muito bem e sempre há só um caminho a ser
seguido. Sempre que Nilin se pendurar em beiradas, uma seta indicando o caminho
surgirá na tela e, acredite, aquele é o único caminho possível para chegar ao
seu objetivo, salvo raras exceções em que se pode ir para o outro lado pegar um
dos colecionáveis do jogo, que vão desde documentos que enriquecem ainda mais o
excelente enredo até upgrades de energia ou foco.
Apesar de não muito divertidas, as sessões de parkour são belíssimas! |
Dito isto, as sessões de plataforma são bastante limitadas, o
que é muito triste, já que com uma ambientação tão espetacular, a vontade que
temos é de destrinchar todos os cantos daquela fascinante cidade. Não que o
jogo seria melhor caso fosse de mundo aberto, mas seria muito legal se a
desenvolvedora nos desse um pouco mais de liberdade para explorar os cenários tal
como a Naughty Dog fez com excelência na série Uncharted e agora com The Last of Us
(leia nossa análise em breve).
"Queria ir até aquele prédio e a DONTNOD não me deixa!" |
Em contrapartida, os combates são muito criativos e a
empresa se empenhou em pegar o melhor visto no gênero e inovar com um sistema
de criação de combos. O sistema funciona da seguinte maneira: ao derrotar inimigos,
Nilin recebe pontos de experiência que podem ser trocados por Pressens, que
nada mais são que golpes para integrar aos combos. Na posse de Pressens, cabe
ao jogador customizar em uma tela chamada Combo Lab, uma sequência eficaz de
comandos. Existem quatro tipo de Pressens: força, recuperação, resfriamento e
foco. O primeiro fornece golpes que surtem pesados danos aos inimigos, o
segundo recupera um pouco a energia da heroína quando algum inimigo é golpeado, o terceiro resfria o mecanismo de golpes especiais de Nilin (são seis golpes
especiais, cada um com uma finalidade e capazes de estragar a festa dos
inimigos) e o quarto dobra o efeito do Pressen anterior.
No Combo Lab, você criará os mais diversos combos para utilizar em combate! |
O sistema é criativo e adiciona diversos elementos
estratégicos às lutas, já que os inimigos são bastante variados e demandam
estratégias distintas para serem derrotados. O combate lembra muito o da série
Arkham, com muitas acrobacias, finalizações lindíssimas e jogabilidade fluida e
refinada. Nilin ainda recebe upgrades em seus equipamentos durante a jornada,
possibilitando acesso a novas localidades antes inatingíveis (algo que lembra
muito a série Metroid ou até mesmo Arkham).
Os combates são fluidos e visualmente belos |
Para finalizar, o game ainda conta com um revolucionário
sistema de manipulação de memórias, que consiste em assistir a um momento da
vida de algum personagem e alterar alguns momentos chave que desencadeiem uma
série de eventos que mudarão as lembranças que aquela pessoa tem sobre a cena.
Esses momentos são extremamente interessantes e adicionam muito, tanto à
jogabilidade quanto ao enredo do jogo, já que certos momentos chave do passado
de Nilin são revelados nessas passagens. Infelizmente, durante toda a jornada,
que dura em torno de dez horas, só existem quatro remixagens de memória que,
apesar de se encaixarem perfeitamente com o contexto, deixam sempre um gostinho
de quero mais.
Interagir com as memórias alheias é fenomenal! |
O cuidado com os detalhes
As maiores qualidades de Remember Me são seu enredo e sua
ambientação. Como todo bom jogo guiado pela história, os personagens devem ser
carismáticos e enigmáticos, de maneira que o jogador se envolva a fundo em sua
jornada. O universo do jogo deve ser crível e imersivo para que a aventura seja
ainda mais divertida. E isso, Remember Me tem de sobra. Os gráficos são
bastante acima da média, seja tecnicamente ou artisticamente, sendo que em
alguns momentos é um pouco difícil diferenciar o que é cutscene do que é gameplay. As
ruas de Neo-Paris são vivas e possuem alma, que poucos jogos possuem (o que
torna as limitações de exploração um defeito ainda maior). O elenco de personagens é muito forte, seja por sua
personalidade muito bem representada pelo excelente trabalho de dublagem ou
mesmo por suas motivações no contexto do enredo. É tudo extremamente bem
construído e realizado, e a DONTNOD merece todos os créditos por um trabalho tão
primoroso nesse sentido.
Oléééé! |
A trilha sonora é um show à parte. Contando com músicas
extremamente bem compostas e emocionantes, o jogador se vê imerso em um mundo
que faz sentido. As composições são quase que totalmente eletrônicas, com
batidas ora aceleradas, ora melancólicas, dependendo do contexto da aventura.
Algumas delas são até cantadas, mas sem atrapalhar minimamente o excelente
feeling da jornada. É admirável o empenho desta nova produtora na criação de
seu título e, não é a toa que uma gigante como a Capcom decidiu dar um voto de
confiança a seus artistas.
Acredite, esses gráficos são ingame! |
Quase lá
Remember Me poderia ser um jogo excelente, mas é apenas
muito bom. Por melhor que sejam sua ambientação e enredo, seus problemas de
jogabilidade acabam prejudicando um pouco a experiência como um todo. Contudo,
se você é do tipo que curte jogos que geram reflexões e possuem ambientação e
personagens incríveis, a criação da DONTNOD não lhe decepcionará. A empresa
parece estar seguindo os passos da Ninja Theory (Heavenly Sword, Enslaved:Odyssey to the West e DmC: Devil May Cry), que sempre criou mundos maravilhosos com alguns problemas de jogabilidade. Entretanto, assim como ela
está conseguindo, cada vez mais, criar games AAA, a DONTNOD tem claras condições
de seguir o mesmo caminho. Quem sabe em uma sequência?
Nilin vendo um futuro brilhante para sua criadora |
Prós
- Ambientação incrível;
- Enredo e personagens envolventes;
- Gráficos e trilha sonora impecáveis;
- Sistema revolucionário de remixagem de memórias;
- Jogo com legendas em português;
- Sistema de combate criativo e funcional.
Contras
- Excessivamente linear;
- Sessões de plataforma têm controles imprecisos e não permitem a exploração
- Poderia durar um pouco mais.
Remember Me – PS3 – Nota: 8.0
Revisão: José Carlos Alves
Capa: Felipe Araújo
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