Nesta geração presenciamos gêneros anteriormente muito
aclamados, como os tradicionais RPGs japoneses, sendo deixados de lado em prol
de uma “ocidentalização” da indústria dos videogames. O movimento, liderado por
gigantes como a Activision, Electronic Arts e Ubisoft resultou em bons
frutos e excelentes franquias, tais como Assassin’s Creed, Mass Effect e BioShock,
mas também acabou homogeneizando demais a indústria. Franquias anuais como o
próprio Assassin’s Creed ou Call of Duty tornam a indústria cada vez menos
inovadora, já que, se mantendo na zona de conforto, as desenvolvedoras fazem
milhões de dólares e nem precisam se preocupar com grandes investimentos sem
garantia de retorno. Call of Duty ainda faz um pouco pior, pois cria um
movimento de “glamouralização” das guerras, transformando-as em grandes
triunfos de soldados que dizimam populações e destroem cidades da forma mais
cinematográfica possível.
Vindo em uma direção admiravelmente oposta, Spec Ops: The
Line, game produzido pela Yager Entertainment e publicado pela 2K Games (mesma
de BioShock), mostra tudo o que os outros jogos do gênero se negam a mostrar:
todo o sofrimento, desespero e devastação que uma guerra pode causar, não
apenas aos civis, mas também aos soldados, que no fim das contas são apenas
seres humanos tentando fazer o seu trabalho.
Evacuando Dubai
O jogo começa quando o exército americano capta uma
transmissão via rádio em que o condecorado Coronel John Konrad que, com seu
esquadrão, estava realizando uma missão de evacuação da população de Dubai após
uma série de catastróficas tempestades de areia, diz que a empreitada foi um
fracasso e que o número de mortes já é incontável. Com essa séria situação, o
exército americano envia três homens: Capitão Martin Walker, dublado magistralmente
por Nolan North (ou Nathan Drake, para os que preferirem), e seus parceiros
John Lugo e Alphonse Adams. A missão dos três é realizar o reconhecimento do
local e resgatar os possíveis sobreviventes, para assim retornarem para casa.
Mal sabiam eles no que estavam se metendo.
O belíssimo cenário do jogo |
Não revelarei muitos detalhes do enredo do jogo, pois ele é
o que há de melhor nesta fantástica jornada. A aventura dura em torno de cinco
horas, mas possui quatro finais diferentes e uma série de escolhas morais a
serem realizadas durante os quinze eletrizantes capítulos do título. Posso
dizer que Spec Ops: The Line revoluciona completamente a forma de se contar uma
história de guerra em um console, e que, no controle de Walker, você realizará
ações que trarão as mais terríveis consequências, não apenas para seus
inimigos, mas para si próprio. O jogo se propõe a revelar a fragilidade do ser
humano em momentos de fortes adversidades, e como a pressão e desejo compulsivo
podem destruir a vida de todas as pessoas ao seu redor.
O jogo é permeado por momentos bastante perturbadores |
Por vários momentos, me flagrei espantando com as chocantes
cutscenes e situações em que fui inserido, e pensava de que forma poderia
consertar toda a desgraça que estava presenciando. Infelizmente, era tarde
demais. E dessa forma, Spec Ops evolui até um apoteótico final, que
surpreenderá até os que ainda estão de queixo caído com a fantástica sequencia
final de BioShockInfinite.
No controle da guerra
Spec ops: The Line é um third-person shooter, e possui uma
jogabilidade bastante funcional e sem grandes problemas. Os controles fluem
perfeitamente, a mira é bastante eficaz e os inimigos possuem uma inteligência
artificial bastante apurada. Por comandar um pequeno esquadrão, é possível dar ordens
aos seus parceiros que vão desde se esconder, até matar algum inimigo
sorrateiramente. O jogo conta com uma infinidade de armas e três tipos de
granadas com diferentes efeitos. Os cenários também podem se tornar armas, já
que é possível utiliza-los para derrotar inimigos ou até mesmo confundi-los.
Em Spec Ops, os civis também pagam um preço pela guerra |
Para variar um pouco, o jogo também conta com passagens em
veículos e stealth muito bem implementadas, seja pelos controles ou pelo
contexto. Esses momentos são eletrizantes e desafiadores, o que torna o jogo
ainda mais imersivo. Para os fãs de Call of Duty, fiquem tranquilos, apesar das
claras alfinetadas à franquia, o título também possui os momentos grandiosos e
épicos que adoramos. Eles só vão em outra direção. Seguindo esse estilo, temos
as fortíssimas tempestades de areia que surgem do nada e prejudicam muito a
visão do campo de batalha, forçando que todos os combatentes se escondam (ou
utilizem a catástrofe a seu favor). Tais momentos são chave na aventura, já
que, além de serem visualmente belos e empolgantes, adicionam novos elementos à
jogabilidade.
Os comandos de Spec Ops são simples e intuitivos na maior parte do tempo |
O único problema inerente aos controles do jogo é o sistema
de cover. Na maior parte do tempo ele funciona muito bem, mas há certos
momentos em que o jogo não reconhece que Walker está em um ponto de cobertura e
acaba não gerando o comando na tela, causando algumas mortes desnecessárias e
um pouco de frustração, ainda mais se considerarmos que o jogo é bastante
desafiador e bastam alguns tiros para que Walker caia morto aos pés de seus
inimigos.
Outro problema é a escassez de checkpoints durante as fases.
O jogo possui diversas passagens difíceis e longas, e os checkpoints são
extremamente mal distribuídos entre elas, causando mais frustração ao jogador,
que terá que enfrentar novamente aquela horda incansável de inimigos. Somando
isso ao problema com o sistema de cover, em alguns momentos você sentirá muita
raiva do jogo, pensando até em desistir. Sorte que o enredo é tão bom que o
fará pensar duas vezes antes de ser tão extremo.
Walker chateado com a falta de checkpoints |
Multiplayer destoante
O jogo possui um modo multiplayer que funciona como os já
tradicionais do gênero: equipes devem se matar por cenários da aventura por um
determinado tempo ou quantidade de jogadores derrotados por equipe. Contudo,
apesar de divertido, este modo sai completamente do contexto proposto pela
desenvolvedora. Tanto que ele foi desenvolvido por outra empresa, a Darkside
Game Studio. Cory Davis, o designer
principal da Yager Entertainment, chegou a fazer a seguinte afirmação sobre o
modo de jogo:
Ele (o multiplayer) emana uma luz negativa a todas as coisas significativas que fizemos na campanha single-player. O tom do modo é completamente diferente, mas as mecânicas foram copiadas para desenvolvê-lo. E foi jogar dinheiro no lixo. Ninguém está jogando e eu nem sinto que isso faça parte do pacote – é outro jogo crescendo como um tumor no disco do jogo, que ameaça destruir as melhores coisas que o time da Yager criou com sua alma e coração.
Dubai: beleza destroçada
Spec Ops: The Line é um jogo artisticamente maravilhoso. Se
utilizando de uma palheta de cores muito vivas e marcantes, a equipe da Yager
Entertainment conseguiu criar uma Dubai vibrante e, ao mesmo tempo, destroçada.
A cidade está tomada por areia, e os lindíssimos prédios, característicos da
cidade, estão em destroços. A sensação que temos é de um ambiente quase
apocalíptico, que faz uma perfeita mistura entre a tecnologia e beleza das
construções da cidade e a areia dominando todas as suas entranhas.
Conheça uma Dubai completamente depredada |
Os personagens são críveis e durante toda a jornada você se
importará com o bem estar de seu esquadrão e das pessoas que encontrará pelo
caminho. Boa parte disso se dá pela excelente dublagem, com interpretações
muito emotivas, que geram muita empatia com o jogador. A trilha sonora também é
muito bem selecionada, sendo um híbrido entre músicas orquestradas e um pouco
de rock para os momentos de ação mais frenética.
Walker deverá realizar algumas escolhas que mudarão sua vida para sempre |
Memorável e esquecido
Spec Ops: The Line é provavelmente um dos jogos mais
underrated da geração. Poucos jogaram e muitos mal sabem que o título existe.
Contudo, a criação da Yager figura-se como um dos jogos de guerra que melhor
retratam a situação de caos e desespero que ela pode provocar indo na direção
completamente oposta de gigantes do gênero como Call of Duty ou Medal of Honor
(que teoricamente já nem mais existe). Apesar do multiplayer desnecessário e de
alguns problemas pontuais na jogabilidade, o título é um must-play para todos
que curtem jogos de ação ou uma história bem contada, que os fará pensar por
muito tempo os motivos pelos quais tratamos guerras com tanta naturalidade.
Prós
- Jogo vai contra a corrente de shooter genéricos que assolam o mercado;
- Enredo envolvente e chocante;
- Personagens marcantes;
- Gráficos artisticamente lindos;
- Jogabilidade funcional na maior parte do tempo;
- Dublagem espetacular.
Contras
- Modo multiplayer nada adiciona ao pacote;
- Checkpoints mal distribuídos;
- Sistema de cover falha em alguns momentos.
Spec Ops: The Line – PS3 – Nota: 9.0
Revisão: Samuel Coelho
Capa: Felipe Araújo
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