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Discussão: O que a conferência da Sony tem a ensinar sobre diferenças entre desenvolvedores de jogos

Na semana passada, a Sony finalmente mostrou para o mundo seu novo console , o PlayStation 4. Foram reveladas novidades interessantes, v... (por Bruno Grisci em 27/02/2013, via PlayStation Blast)

Na semana passada, a Sony finalmente mostrou para o mundo seu novo console, o PlayStation 4. Foram reveladas novidades interessantes, várias opiniões e notícias rondaram a internet, o que é comum a cada novo anúncio. Mas este texto não é sobre o novo videogame, é sobre os desenvolvedores que se apresentaram no último dia 20 em Nova York para demonstrar suas propostas para o novo console e os seus diferentes estilos.
Talvez tenha passado despercebido para muitos, distraídos com os vídeos de novos jogos, mas a Sony fez subir em seu palco personagens da indústria com visões bastante distintas de videogames. Após a primeira metade do evento, na qual as características gerais do PS4 foram apresentadas, chegou a hora de desenvolvedores de games mostrarem seus projetos. O primeiro a ser chamado foi Herman Hulst, cofundador da Guerrilla, hoje subsidiária da Sony e mais conhecida pela série Killzone. O que nós vimos foi justamente o anúncio de um novo capítulo do FPS, Killzone Shadow Fall, com gráficos de ponta e muita ação.

O gameplay de Killzone Shadow Fall foi exibido durante a conferência.
Logo em seguida tivemos Matt Southern, da Evolution Studios, apresentando DriveClub, o jogo que eles sempre quiseram fazer, segundo suas palavras. Uma ideia surgida há 10 anos, o novo game é um simulador realístico de corridas em time. O aspecto social e competitivo será muito importante, com várias funções online disponíveis. Um maior nível maior de imersão e realismo pretende ser alcançado com a adoção de uma câmera em primeira pessoa posicionada no piloto do automóvel, que permitirá inclusive abrir a porta e entrar no veículo. Por fim, o estúdio está focando grande parte dos esforços em recriar fielmente modelos de carros reais nos mínimos detalhes. “Nós colaboramos com as melhores companhias de carro no mundo, trabalhando para criar os mais detalhados e autênticos interiores e exteriores de carros possíveis”, Matt disse. O desenvolvedor estava muito entusiasmado no palco ao contar como os faróis foram modelados com múltiplas camadas de reflexo e como as diferenças de sentido das fibras do banco influenciam na direção de reflexão da luz.


Na sequência, foi a vez de Nate Fox fazer um discurso sobre segurança pública, como isso afeta a liberdade das pessoas e como essa ideia serviu de inspiração para Second Son, novo jogo de ação e mutantes da Sucker Punch exclusivo para PS4.

Estes três jogos são bons exemplos do dito mercado mainstream de games desta geração, grandes e caras produções, primeira pessoa, ação e realismo gráfico. Michael Denny, vice-presidente da Sony WWS Europe, chamou-os de “versões mais profundas e intensas de experiências que já conhecemos”. Ele então apresentou o segundo segmento de jogos que seriam mostrados para o PS4, “os que nem sempre se encaixam, pioneiros, inesperados”.

O primeiro a dar continuidade à apresentação foi Jonathan Blow, um dos mais conhecidos desenvolvedores indies, criador de Braid, um belíssimo jogo de puzzle e plataforma 2D com grande apelo à reflexão de seu significado. A primeira coisa que Jonathan disse ao subir no palco foi que não sabia o que fazer para dar continuidade a todas as explosões dos jogos anteriores. Poderia parecer uma mera piada para quebrar o gelo, mas não é segredo que trata-se de mais uma de suas críticas à indústria de jogos, tanto por não concordar com o modo como funciona a relação entre desenvolvedores e distribuidoras (por isso é um dos grandes incentivadores do segmento indie), como por achar que os jogos devem ser “mais” (no que se refere ao seu conteúdo e objetivo) e ocupar um espaço maior na cultura. O próprio Braid tentou ser uma resposta aos jogos atuais.

Braid, de Jonathan Blow, oferece um belo design e reflexões interessantes sem apelar para gráficos de última geração e orçamentos astronômicos.
Mas o que Blow fazia no evento da Sony, afinal? Estava lá para apresentar The Witnesso novo projeto de sua equipe. “É um jogo sobre epifania, a transição instantânea da mente que o leva da confusão ao entendimento”, disse ao público. O jogo, que será multiplataforma, trata-se de puzzles em um mundo aberto compacto no qual o cenário possui grande significado.

E quem deu continuidade ao show? David Cage, da Quantic Dreams. Os jogos do estúdio não são produções simples e de baixo orçamento, característica comum aos indie, são produções no mesmo nível técnico (ou até mais) dos primeiros games mencionados nesta matéria. Numa coisa, contudo, Cage se aproxima de Jonathan Blow, por acreditar que os jogos devem ser “mais”. Para o diretor de Heavy Rain, isso é possível graças às emoções, e as emoções são alcançadas graças aos... polígonos. Uma linha do tempo no telão mostrava a evolução da quantidade de polígonos utilizados na modelagem de personagens, de 350 em Indigo Prophecy (2005) a 30.000 em Beyond: Two Souls (2013).

Para David Cage, as emoções transmitidas
pelas expressões dos personagens serão o futuro.
Na imagem, destaque para os olhos do ancião.
Usando o modelo de uma cabeça de um ancião, Cage exaltou como os gráficos podem possibilitar que percebamos as emoções assim como as vemos em atores no cinema, deixando para trás o Vale da Estranheza, e como isso nos levará a jogos mais profundos e experiências até hoje inexistentes. O desenvolvedor ainda defende um diálogo maior entre a indústria de jogos e o cinema, assunto controverso. Mas o apreço pelos gráficos não quer dizer que Cage necessariamente pertence ao mesmo grupo dos primeiros convidados (lembram de Matt e os carros fielmente recriados?) sendo um crítico que acredita que os jogos poderiam evoluir muito se não fossem feitos com o público infanto-juvenil em mente, com apelo para violência e com enredos menos desenvolvidos. “Se o personagem não estiver segurando uma arma, os designers não sabem o que fazer”, já declarou.

Por fim, foi a vez de Alex Evans, da Media Molecule, responsável pela série LittleBigPlanet. Segundo ele, o objetivo do estúdio é utilizar o poder do PS4 para aflorar a criatividade dos jogadores. Eles querem que todos possam recriar seus sonhos no novo aparelho, mas a dificuldade de modelar utilizando programação é uma barreira, o que chamou de “Tirania dos Polígonos”. Depois de dois anos pesquisando, a solução na qual chegaram para resolver este problema foi o Move. A Media Molecule se apaixonou pelo controle de movimentos da Sony, o qual transformaram em uma ferramenta de esculturas e eventualmente num editor de cenários e ações. Em toda o evento, esta foi a única referência ao uso do acessório no PS4, com todos os outros desenvolvedores utilizando o controle tradicional.


Em menos de uma hora, a Sony reuniu seis desenvolvedores, de seis estúdios distintos, cada um com sua própria ideia do que e como você deve jogar no novo console. Não são apenas jogos diferentes, são propostas, às vezes até mesmo opostas, de quais devem ser os objetivos de um game. Fora do evento, estas e outras ideias já se confrontaram e continuarão se confrontando, tanto no mercado quanto nas opiniões de desenvolvedores, críticos e jogadores. Nem tudo será acertos, mas a verdade é que não existe um único caminho e, nesse ramo, como em tantos outros, o que mais vale é a diversidade. Sorte da Sony se conseguir mantê-la ao longo da vida de seu novo console.

Revisão: Vitor Tibério

é graduando em Ciência da Computação na UFRGS. Gosta de discutir qualquer assunto, incluindo videogames, tópico que o fascina desde sempre. Suas reflexões podem ser lidas no Blast desde 2011, onde é redator e diretor de pautas. Encontre-o no Twitter.

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