Kratos cortando centauros ao meio. Um headshot em Call of Duty. Agente 47 cravando um machado na cabeça de uma vítima. Lara Croft surrada, machucada e sofrendo uma tentativa de estupro. Nemesis atravessando a cabeça de Jill com um tentáculo. Niko Bellic atropelando pedestres. Vísceras, sangue, armas: tudo isso é violência, e tudo isso está presente em nossos jogos de videogame preferidos. Esse nível tão alto de brutalidade é justificável? Será que existe um limite para a violência nos games e, se existe, qual é?
Violência gratuita?
O primeiro ponto a ser analisado nessa questão é se existe uma razão para tanta violência. Por exemplo: Kratos está em busca de vingança. Ele foi enganado por Ares e por causa disso matou sua esposa e filha. Desde então ele está com o corpo coberto pelas cinzas das pessoas que mais amou. É esperado que um homem nestas condições fique à beira da loucura e que cometa atos extremos de violência para vingar-se. Mas isso justifica cenas como esta abaixo?
Talvez não. Qualquer um pode entender os motivos por detrás desse tipo de cena, mas muitos jogadores nem ao menos sabem o que alimenta essa sede por vingança, apenas saem por aí partindo seres ao meio, arrancando-lhes a cabeça, e afins. Talvez haja um distanciamento por parte desses jogadores, já que é fácil se distanciar quando é um "monstro" o inimigo. Mas e se você está com um ser humano à sua frente?
Sim, um ser humano feito de pixels, mas que fala, que usa de inteligência artificial e que, às vezes, suplica pela própria vida. Ou mesmo um ser humano que está atirando contra você. O que você pensa ao puxar o gatilho, usar sua faca, ou o equivalente? E se esse ser humano estivesse há poucos segundos tentando estuprar sua personagem, como é o caso de Lara Croft no trailer do novo Tomb Raider? E se ele fosse responsável pela morte de uma multidão de inocentes? Tudo isso faz com que essa violência seja mais fácil de digerir, mas não a torna menos chocante.
"Viu o que você fez?"
Para levar essa violência algo mais próxima do jogador, games mais recentes passaram a utilizar-se de uma ferramenta excelente: responsabilidade. O controle está nas suas mãos, e a cada vez que você aperta o botão e mata um ser, o jogo faz questão de te mostrar que você fez algo moralmente questionável.
Exemplos não faltam: Metal Gear Solid 3: Snake Eater lhe permite passar quase o jogo todo sem matar sequer um ser vivo. Caso você mate, em uma sequência Snake passa por um "rio de almas" em sua batalha contra The Sorrow, e será obrigado a enfrentar todos a quem ele matou. Em Silent Hill, uma série conhecida por pegar pesado na violência, um personagem chega a questionar o protagonista se ele realmente via tudo que ele matou como monstros, colocando em cheque a percepção da realidade que tínhamos como jogadores. No final de Max Payne 3, a história retorna para uma cena mostrada no início, em que Max reflete sobre tudo que fez até então, e nesse momento o jogo lhe coloca no controle do gatilho para executar um determinado personagem ou simplesmente viver e deixar morrer.
E tem ainda aqueles jogos mais ousados, como o recente Spec Ops: The Line. Aparentemente um jogo de guerra comum, ele na verdade te faz questionar o motivo de estar fazendo aquilo. Você está cumprindo ordens, assim como o protagonista, mas você realmente precisa? O que isso faz de você? Todo esse sangue derramado faz algum sentido? E God of War III, por sua vez, provoca o jogador em seu encerramento, com uma sequência infinita de quick-time events brutais, que só termina quando você decide parar.
Fazer entender que você está matando alguém, o que isso quer dizer num mundo realista, apontar o dedo pro jogador e falar: "por que você não largou esse controle? O que tem de errado com você?" é um movimento ousado e inteligente que torna toda a violência uma forma de conexão entre jogador e protagonista.
Sangue e diamantes são coisas diferentes
Um dos caminhos mais perigosos que uma desenvolvedora pode tomar com a violência é tornar isso algo "glamuroso". Fazer com que esse sangue todo e todas as mortes sejam algo legal e divertido é muito perigoso.
É claro que um videogame tem que ser divertido, e não é esse o ponto. O ponto é que existe uma diferença entre fazer os tiroteios serem divertidos e fazer com que sejam objetos de desejo. Quando você passa da linha entre se empolgar com uma cena de explosões e querer aquilo para a sua vida, tem algo de errado aí.
No More Heroes, Lollipop Chainsaw e Shadows of the Damned são exemplos de jogos que glamurizam a violência, que é uma das marcas registradas do criador deles, Goichi Suda (o Suda 51). É claro que isso faz parte do estilo: Suda é o Quentin Tarantino (um diretor de cinema famoso pelo seu uso da violência) dos games, mas ainda assim é um pouco excessivo.
Hitman, por mais que me doa falar, também mostra a violência como algo leviano. Sim, é verdade o jogo lhe premia por passar por um estágio sem matar inocentes, mas ao mesmo tempo premia visualmente jogadores que sejam mais criativos e resolvam fazer mortes espalhafatosas. Tudo em nome da diversão.
Mas, afinal, é para isso que servem as classificações etárias dos jogos. Um jogo com o selo americano M (Mature) é apenas para adultos, e isso deveria ser respeitado. Há conteúdos que apenas um maior de idade tem maturidade para ver e discernir, sem deixar a glamurização sobrepor a brutalidade das cenas.
O seu limite
Mas o que realmente vale, no fim das contas, é algo mais pessoal: o quanto você suporta de sangue e mortes. Conheço muitos jogadores que simplesmente não conseguem jogar nada que envolva tiros de armas de fogo. Outros largam o controle ao ver corpos dilacerados. Já outros conseguem ver (e produzir) tudo isso sem se impactar.
Cada um possui o seu próprio limiar de violência suportável, mas ela se torna muito mais suportável se, em vez de estar jogada ali, fizer parte de uma história e tiver um sentido para o protagonista e para o jogador.
E aí, qual o seu limite? Algum jogo já te fez virar o rosto para o outro lado? Prefere os jogos totalmente livres de violência? Comente e contribua para essa discussão.
Revisão: Samuel Coelho
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