Em 1986, o mercado de videogames era dominado pela Nintendo, tanto de consoles quanto de jogos. A Sega, que apenas produzia jogos para arcade, ainda estava iniciando a sua peripécia pelo mundo dos consoles de mesa, começando com o saudoso Master System (MS). Para fazer frente ao domínio da Big N, a Sega sabia que não bastaria um console melhor; seria necessário um mascote para competir com o já bem-sucedido Mario. Dessa forma, com as tarefas de alavancar as vendas do Master System e vencer o encanador bigodudo de Shigeru Miyamoto é que surgiu Alex Kidd. E não fez feio no seu primeiro jogo. Um sucesso que vale a pena relembrar.
O Mundo dos Milagres
Kotaro Hayashida foi o produtor do primeiro jogo da série, o famoso Alex Kidd in Miracle World. Foi um início quase perfeito: um jogo excelente, com um personagem muito carismático e de origem nobre. Se não fosse a política contratual da Nintendo, que impedira o sucesso da Sega nos Estados Unidos, talvez hoje a história de Alex Kidd fosse diferente. Mesmo assim, fora da Terra do Tio Sam, Alex foi muito bem recebido pela grande quantidade de donos de Master System. O game foi certamente o melhor da série e serviu de comparação para todos os outros que vieram em seguida.
A história conta que no planeta Aries, conhecido como Miracle World, vivia Alex Kidd, um garoto que estava treinando por sete anos a técnica Shellcore, uma antiga arte que permite ao seu usuário quebrar pedras. Um certo dia, apareceu um homem à beira da morte e disse que a pacífica cidade de Radaxian estava em grande perigo. Antes de morrer, o homem lhe entregou um mapa e um medalhão feito da Sun Stone (pedra solar). E assim começa a aventura de Alex Kidd no Mundo dos Milagres.
O jogo contava com um belo visual, uma jogabilidade bastante efetiva, diversos veículos bacanas (motinhas, barcos e helicópteros) e divertidas lutas contra chefes utilizando o famoso joguinho jan-ken-pon. O sucesso de Miracle World foi tanto que passou a vir na memória do Master System, a partir do Master System II. Surgia assim um personagem de peso, capaz de fazer frente ao mascote da Nintendo. Tudo dependeria dos demais jogos da franquia – e foi aí que a Sega começou a errar.
As estrelas muito perdidas
No mesmo ano em que Miracle World foi lançado, Alex Kidd fez a sua primeira e única aparição nos arcades, com o jogo Alex Kidd The Lost Stars. Mas não se tratou de uma sequência: além da história nova, era um game inteiramente diferente, desde a jogabilidade até o visual. A versão dos fliperamas não veio para o Ocidente, mas, dois anos depois, no final de 1988, a Sega lançou um port para o Master System, cuja única grande diferença estava no fato de que na versão para arcade era possível jogar cooperativamente com um segundo jogador, a namorada de Alex, Stella.
Em The Lost Stars, o inimigo é o terrível Ziggurat, que roubara as 12 estrelas da constelação de Radaxian. O jogo estava muito aquém da qualidade demonstrada em Miracle World e possuía alguns pontos muito fracos. Não vamos encontrar no game a famosa técnica Shellcore, que permitia a Alex quebrar pedras – isso depois de tantos anos treinando (!); também não tinha motinha, helicóptero nem as famosas lutas contra os chefes valendo-se do jan-ken-pon. Existia muito pouco para explorar nas fases e, se o jogador preferisse, podia passar correndo, inclusive pela maioria dos chefes, que não precisavam ser derrotados muitas vezes. Além disso, o jogo possuía 12 fases que na verdade eram apenas seis, pois a segunda metade era repetição da primeira, apenas com um grau maior de dificuldade.
Não é como se o jogo não divertisse para a época. Muitos vão ter boas lembranças, como é costume com jogos retrô, mas não podemos negar que, depois de finalizado uma vez, dificilmente alguém iria passar por tudo novamente. Além disso, muito mais era esperado de Alex Kidd, que houvera debutado com tanta maestria e encantara a todos.
Pedalando em terras nipônicas
Sempre que um personagem faz sucesso, é de se esperar que a empresa faça uso da imagem dele em jogos spin-offs, aqueles que não tem nada a ver com a história principal. Com Alex Kidd não foi diferente e, em 1987, ele despontou pedalando uma bicicleta em Alex Kidd BMX Trial, para Master System – somente no Japão.
O visual do game lembrava um pouco o de Miracle World e seguia o mesmo estilo de outros jogos de bicicleta da época, saltando por rampas e desviando de adversários. O game era um dos poucos que fazia uso do Paddle Control, um tipo de controle que possuía um botão giratório no lugar do direcional, que funcionava como uma espécie de volante, girando para um lado ou para o outro. O que significa que, se você conseguir o jogo e não tiver esse controle, vai ter uma dificuldade enorme de pilotar a bicicleta.
Um arcade difícil de encontrar
Em 1987 (apenas em 1989 no Ocidente), a Sega lança mais um jogo do nosso herói orelhudo: Alex Kidd High-Tech World. Mas, ao contrário do que os fãs mais queriam, não se tratou de um jogo de plataforma no bom estilo de Miracle World, e sim de um RPG com poucos momentos de ação e diversos puzzles para serem resolvidos. Independentemente do estilo adotado, a verdade é que o jogo não convenceu.
A história era fraca, pois Alex precisava encontrar um arcade inaugurado recentemente em uma cidade vizinha antes que ele fechasse e, para isso, era necessário procurar por oito pedaços de um mapa que indicavam o local – isso porque a cidade era próxima. Mas o que incomodava realmente era a facilidade com a qual se podia receber um game over a qualquer momento, pois aceitar um item errado que já era suficiente para acabar a partida.
A verdade é que High-Tech World não era um jogo original concebido para o nosso herói, e sim uma adaptação de um outro game, chamado Anmitsu Hime, baseado em um anime da época. Na versão original, uma princesa queria sair do seu castelo para visitar uma determinada padaria e provar de suas guloseimas. Com isso, a Sega só fez desgastar a imagem de Alex ainda mais com os fãs.
O retorno do rei
Com a chegada do Mega Drive (ou Genesis, se preferirem), a Sega resolveu fazer um jogo original de Alex para o seu console de 16 bits. Alex Kidd in the Enchanted Castle finalmente trouxe a tão esperada continuação de Miracle World e Alex precisava encontrar o seu pai, o rei Thunder, que estava desaparecido até então. O mundo dessa vez é outro: Paperock.
O jogo trouxe de volta diversas características de Miracle World de que os fãs tanto gostavam, como os veículos, o supersoco com a técnica Shellcore, o jan-ken-pon e até o polvo em cima de uma cesta – mas sem fase secreta dessa vez (!). E teve algumas novidades interessantes, como Alex poder dar voadoras e andar de pula-pula para atingir locais mais altos.
No final, Alex tinha de derrotar Ashra, o inimigo da vez, para então descobrir a verdade por trás do suposto rapto de seu pai, o rei, que por algum motivo é chamado de Thor, não de Thunder – talvez ele seja o “Deus do Trovão” (!). Assim, a Sega encerrou a história iniciada em Alex Kidd in Miracle World e não deixou mais nada pendente.
Enchanted Castle era um game muito bom, mas também não conseguiu se equiparar a Miracle World, muito por causa dos seus controles que não eram tão precisos quanto um jogo de plataforma exige, e era fácil morrer encostando em inimigos que apareciam vagarosamente, tornando a jogatina um pouco frustrante em certos momentos.
Alex ninja
O último jogo da série não foi para o Mega Drive, como se poderia esperar, mas sim para o Master System. O merecedor dessa honra foi Alex Kidd in Shinobi World (1990), uma divertida e bem-feita paródia de outro jogo muito conhecido dos donos de Master System: Shinobi (1987). A jogabilidade era bem mais próxima de Shinobi do que de Miracle World, com algumas diferenças, como poder se balançar nos postes e se lançar para frente. Apesar de curto, é um jogo que os fãs de ambas as franquias tiveram o prazer de desfrutar.
O desabafo
Em 1991, com a chegada de um certo ouriço azul ao Mega Drive, Alex Kidd foi finalmente deixado de lado. O sucesso de Sonic fora tão grande que fechou os olhos da Sega para o seu antigo mascote, que não conseguira fazer o seu papel de destronar o encanador da Nintendo.
Muitos ficaram chateados com essa aposentadoria forçada de um dos melhores personagens dos videogames, inclusive o próprio Alex Kidd. Não entendeu? Eu explico: em 2001, a Sega lançou para o Dreamcast, somente no Japão, o jogo Segagaga, um RPG no qual o jogador é contratado pela Sega para salvar a empresa da falência e impedir que a DOGMA (que seria a Sony) controlasse todo o mercado de consoles. Vários personagens antigos da Sega aparecem, inclusive Alex, que trabalha como balconista em uma loja de jogos e comenta sobre a sua história na Sega com o personagem controlado pelo jogador. Vale a pena conferir a cena (em inglês), que conta com uma música bem triste de fundo para dar o clima:
Mais Alex Kidd
Além de aparecer em Segagaga, Alex Kidd também participa de outros jogos, dessa vez como personagem jogável: SEGA Superstars Tennis (PS3/PS2/X360/Wii/DS, 2008) e Sonic & SEGA All-Stars Racing (PS3/X360/Wii/DS/PC, 2010).
Vejamos outras aparições curiosas:
- Alex aparece na tela de teste de som (sound test) do jogo Quartet (MS, 1987). Para vê-lo, basta, na tela de título, apertar pause quatro vezes e depois apertar o botão 1 no controle dois;
- O rosto de Alex aparece escondido num cenário em algumas fases de Kenseiden (MS, 1988);
- Em Altered Beast (MD, 1988), aparecem o nome de Alex Kidd e de Stella em duas tumbas (uma bizarra homenagem);
- Alex aparece como brinquedo colecionável em Shenmue I (Dreamcast, 1999) e Shenmue II (Dreamcast/Xbox, 2001).
Sonic já teve seus altos e baixos, mas a Sega não desistiu de seu mascote favorito. Não há dúvida alguma que existe espaço para dois mascotes na empresa, como a Nintendo já deixou mais do que provado ao longo dos anos, com seus diversos personagens e franquias. Com uma boa quantidade de fãs, principalmente no Brasil, Europa e Austrália, não vejo motivo para não aproveitar um personagem que deixou tanta saudade ao redor do mundo. E você, caro leitor, já teve a oportunidade de jogar algum game de Alex Kidd? Compartilhe conosco a sua experiência nos comentários.
Revisão: Felipe Biavo
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