Atualmente é comum avaliarmos se um aparelho de videogame é bom ou não quase da mesma forma que fazemos quando compramos um computador novo. Obviamente essa não é a única forma, afinal o interesse pessoal e a qualidade dos games oferecidos em cada plataforma também contam bastante, mas desconsiderando essas variáveis geralmente queremos saber se os processadores lógico e gráfico são possantes, se o disco rígido tem um espaço generoso e se há formas variadas e eficientes de conectividade.
Mas houve um tempo em que não éramos assim tão exigentes. Nossa procura por videogames se dava de uma forma muito mais simples e, respondendo a esse comportamento, a indústria de jogos digitais tratava seus produtos - e os classificava - de uma maneira igualmente simples. Em vez de especificações técnicas rebuscadas, nós apenas queríamos saber quantos bits um console possuía.
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Antes de começarmos, vale lembrar aos que entendem de informática - bem como explanar aos que não são tão íntimos dessa área de conhecimento - que consoles de videogame são, em sua essência, computadores. A única diferença entre eles e o notebook que você leva pra faculdade é o fato de que um console é projetado para apenas uma finalidade: rodar jogos digitais (claro que estou desconsiderando os consoles atuais, que possuem cada vez mais recursos e estão se assemelhando muito aos PCs nesse quesito. Me refiro aqui à definição clássica de console de videogame).
Como todo computador que se preze, um console possui um processador. Também como um computador comum, o processador de um console executa instruções a uma determinada velocidade e envia/recebe uma quantidade fixa de bits (a menor e mais básica unidade de informação. Grosso modo, essa unidade tem apenas dois valores possíveis: 0 ou 1) a cada intervalo de tempo. Entre outros detalhes que não mencionarei aqui para o tópico não ficar ainda mais nebuloso, é essa relação entre a quantidade de informação processada e a velocidade em que ela é enviada e recebida por todos os componentes de entrada e saída de dados do console que define quão rápido e poderoso é um processador.
É por esse motivo que um Master System é mais potente do que um Atari 2600, mesmo ambos sendo dotados de processadores de 8 bits: o processador Zilog Z80 do Master processa esses bits a uma velocidade de 3,58MHz, ao passo que o processador 6502/6507 do Atari "roda" a apenas 1,19MHz. É como colocar um Fusquinha e um Gol Geração 4 para correrem lado a lado (não entendo de carros, então me arrisco na comparação aqui).
Como tudo começou?
Entretanto, por questões mercadológicas, não era comum entre os interessados por games daquela época correr atrás de todas essas informações e detalhes técnicos na hora de comprar um videogame. Da mesma forma que é mais fácil dizer que um carro com motor 2.0 é melhor do que um carro com motor 1.0, havia uma necessidade de mensurar de forma rápida e intuitiva como este console conseguia gerar imagens mais bonitas e coloridas do que aquele.
Quem primeiro percebeu essa necessidade foi a SEGA, durante a quarta geração de videogames: ao lançar seu primeiro console de 16 bits ela precisava de algo que o destacasse do console da concorrência, também de 16 bits. Em vez de tentar convencer seus consumidores com detalhes técnicos complicados e muito "informatiquês", ela simplesmente estampou um 16-BIT enorme e dourado na carcaça do Mega Drive. Quem já era macaco velho não se deixava iludir e analisava o produto mais friamente, mas não havia dúvida de que essa manobra chamava bastante a atenção do grande público, o que ajudou a alavancar as vendas do console da SEGA independentemente de o Super Nintendo ser um aparelho tecnicamente superior.
Através das gerações
Com o passar dos anos as empresas aprenderam que essa era uma maneira eficiente de atrair público: abstrair detalhes técnicos, focar apenas em uma característica - o processamento - e botar seus respectivos departamentos de marketing para trabalhar em cima disso! Mesmo passando impressão de potência de forma equivocada, toda a indústria de games passou a ostentar a quantidade de bits que seus produtos tinham, o que contribuiu para delinear de forma mais precisa a divisão entre as gerações de videogames (embora não tenha começado essa definição).
Obviamente as características que denunciavam que isso não passava, em boa parte, de uma falácia marqueteira foram ficando bastante claras: na segunda geração, modelos distintos de consoles de uma mesma empresa tinham processadores do mesmo tipo, mas com alguns exibindo gráficos mais bonitos e velozes do que outros (vide os vários modelos de Atari, todos de 8 bits). Na quarta geração tanto o Super Nintendo quanto o Mega Drive comiam a poeira do Neo Geo, que tinha uma velocidade de processamento inacreditável (para aquela época), sendo plataforma para vários dos grandes sucessos dos arcades. E todos eram consoles de 16 bits!
A importância dada aos bits chegou a um ponto tão alto que na geração seguinte, enquanto a SEGA e a Sony se preocupavam em lançar aparelhos de 32 bits, a Nintendo botava o pau na mesa com seu Nintendo 64, em uma época em que seguir a Lei de Moore parecia ser tendência.
Até os portáteis - e os não tão portáteis assim - entraram na dança: o fracassado Virtual Boy era propagandeado como sendo o primeiro console de 32 bits da Nintendo (antes do N64 sair do papel, é claro). E quem não lembra do Game Boy Advance, que também estampava um "32 bits" na embalagem?
O caso Dreamcast
Uma hora isso tinha que virar bagunça, não é verdade? Pois foi o que aconteceu quando a SEGA colocou o saudoso Dreamcast no mercado. Na primeira vez que ouvi falar dele, soube que ele era um console de 128 bits - o primeiro do mercado com tal potência, por sinal. Até lembro da primeira revista Gamers que comprei (número 30, aquela com a fascinante análise de Parasite Eve), que noticiava sobre ele ainda com o codinome de Katana. Mas divago…
Entretanto, outras publicações da época davam conta de que na verdade o Dreamcast tinha um processador de 64 bits, mas com um barramento diferenciado de 128 bits para os gráficos. Isso fez com que discussões se arrastassem por anos em fóruns e círculos de admiradores de videogames retrô, que durante muito tempo questionaram se o verdadeiro primeiro console de 128 bits foi o Dreamcast ou o PlayStation 2.
Hoje sabemos que foi o console da Sony, mas a verdade é que felizmente isso não importa mais.
E o meu PlayStation 3?
O que não nos impede de fazer um pequeno exercício de criatividade e tentar encaixar os consoles atuais nessa "nomenclatura" só de zueira, não é mesmo? Quando eu ainda me importava com bits dessa forma (e não ligava o suficiente para pesquisar e responder minhas próprias perguntas), costumava questionar a potência em bits do PlayStation 3, do Xbox 360 e do Wii, seguindo essa tendência inventada pela SEGA.
Daí que eu fiquei bastante surpreso com a conclusão que eu cheguei. O Wii e o PS3 não foram surpresa: o console da Nintendo tem um processador IBM PowerPC "Broadway" de 64 bits, sendo portanto um console de 64 bits. Já a maioria dos núcleos do Cell Broadband Engine, do console da Sony, trabalham a 128 bits, tornando-o essencialmente um console de 128 bits.
No entanto, pasmem! Se essa coisa de "separar os consoles por bits" ainda fosse levada a sério, o Xbox 360 - considerado equiparado ao PS3 - seria considerado um console de 64 bits e não de 128, consequentemente sendo visto como inferior aos olhos dos consumidores! Segundo a própria IBM - que criou o processador do X360 em parceria com a Microsoft - esse processador é na verdade uma versão personalizada de um núcleo PowerPC de 64 bits.
Longe de mim querer provocar flamewars, mas… seria o Xbox 360 "o Dreamcast da Microsoft"?
Bits, bits e mais bits
Hoje em dia temos gosto em tratar os consoles como se fossem PCs, nos impressionando com especificações mais e mais elevadas a cada nova geração que chega ao mercado. Mas é sempre muito interessante lembrar de como as coisas eram mais simples e como um detalhe técnico aparentemente bobo podia ser tão significativo - e inusitado - para a indústria e para nós jogadores.
Revisão: Samuel Coelho
a questao do playstation 2 ser realmente o 1 128 bits me pegou de surpresa!!! essa questao do ps3,360 e wii ja nao tem mais importancia nenhuma, ja q hj realmente os consoles sao tratados como computadores ¬¬ mas sempre achei o dreamcast uma versão melhorada do nintendo 64! ja o primeiro xbox era uma versão melhorada do ps2 e do cube! estou especificando em detalhes técnicos e não de jogos ok
ResponderExcluirÓtima matéria. Parabéns!
ResponderExcluirSem palavras materia muito boa
ResponderExcluirparabéns pela matéria, eu coleciono video games e gostaria de entender um pouco mais sobre a linguagem dos bits. só não entendi uma coisa: se o nintendo wii tem um processador de 64 bits, como ele tem graficos muito superiores que o ps2 cujo processador é de 128 bits?
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