Era uma vez…
Por volta do início do ano 2000, a Disney do Japão planejava uma estratégia para atrair o público infanto-juvenil japonês, que na época estava em baixa. Por coincidência ou destino, o escritório da filial da Disney no Japão ficava no mesmo prédio da Squaresoft, hoje Square Enix. Num belo dia, Shinji Hashimoto, um produtor de games que havia trabalhado na época em Final Fantasy IX, conheceu um dos executivos da Disney quando pegava o elevador para ir para o serviço. Conversa vai, conversa vem e ambos decidiram marcar uma reunião entre as duas equipes para planejar a produção de um jogo de videogame.
A ideia inicial da Square foi de fazer um jogo ao estilo ação/RPG protagonizado pelos personagens da Disney. O primeiro esboço consistia que o jogo se ambientaria no mundo de Final Fantasy, com Chocobos, Moogles e etc. O personagem principal seria Mickey e no decorrer da aventura ele receberia a ajuda de um mago, Donald, e de um soldado, Pateta. Entretanto, essa ideia desagradou os executivos da Disney. Sendo o Mickey a principal mascote da Disney, mexer em sua imagem era algo extremamente delicado e os executivos não gostaram da ideia do camundongo empunhando uma espada e saindo por aí matando inimigos a esmo. A série Final Fantasy, para a época, continha uma dose pesada de drama e violência camuflada e a Disney queria um jogo família. Então, um dos projetistas da Square decidiu inverter a ordem das coisas: ao invés de ser um jogo da Disney ambientado no mundo de Final Fantasy, seria um Final Fantasy ambientado no mundo da Disney.
Eu sou seu pai, Sora!
Observe a imagem ao lado. Este é Tetsuya Nomura, a cabeça por trás da série Kingdom Hearts. Nomura ganhou notoriedade depois de trabalhar na produção de Final Fantasy VII, onde era character designer. Quando ele recebeu a proposta para dirigir Kingdom Hearts, ele ainda estava finalizando seus trabalhos em Final Fantasy X, o primeiro FF para o PS2. Kingdom Hearts seria o seu primeiro trabalho como diretor, sendo que até então ele apenas trabalhava na parte gráfica dos jogos. Ou seja, ele tinha uma grande responsabilidade pela frente. Com a repercussão positiva que Kingdom Hearts recebeu após o seu lançamento, Nomura ganhou destaque na Square, sendo que a imprensa japonesa especializada passou a compará-lo a outros nomes da indústria dos games, como Shigeru Miyamoto e Hideo Kojima. Nomura também foi o responsável pelo filme de animação Final Fantasy VII: Advent Children e atualmente está envolvido no projeto de Final Fantasy Versus XIII.
Os primeiros passos
Kingdom Hearts foi anunciado pela primeira vez na E3 de 2001, através de um trailer da versão Beta. Na época, gerou reações variadas por parte do público. A mídia chamava-o de inovador. Os críticos estavam céticos, torciam os lábios, desconfiados se essa “salada Disney com molho de RPG” poderia dar certo. Já pararam para pensar em como seria um crossover entre os Looney Tunes com o universo do jogo The Legend of Zelda? Não ia prestar, não é? Era mais ou menos esse pensamento que pairava na mente de todos em 2001.
A expectativa era grande, todos queriam saber se o jogo era realmente tudo aquilo que o trailer prometia. Por parte dos jogadores, havia se formado duas facções: os fãs conservadores de Final Fantasy ficaram descontentes ao saber que sua série de jogos de RPG favorita, cujas características principais eram a narrativa madura e os toques de temas melodramáticos, iria se transformar em um “jogo para crianças”. Enquanto isso, os fãs da linha Disney aguardavam ansiosos pelo lançamento. Muitos deles nunca haviam jogado ou ouvido falar em Final Fantasy, mas iriam adquirir o jogo assim mesmo, devido a duas razões: o hiato de anos sem um jogo decente de Mickey e companhia e o fato de que Kingdom Hearts era uma coletânea de personagens memoráveis dos filmes antigos da Walt Disney Company, como Aladdin, Peter Pan, Pinóquio e entre outros, algo inédito até então. Kingdom Hearts tinha a difícil missão de agradar gregos e troianos, simultaneamente.
Eu reconheceria essa voz em qualquer lugar
Kingdom Hearts foi lançado no Japão em março de 2002, chegando seis meses depois nos EUA. Kingdom Hearts rapidamente ultrapassou a marca de quinhentas mil unidades vendidas, angariando também uma legião de fãs. O jogo foi elogiado pela crítica devido ao seu enredo profundo, gráficos encantadores, jogabilidade simples e trilha sonora excelente. Se você ficou curioso e quer saber mais sobre o game, confira-o na seção Blast from the Past.
Para a Sony, o lançamento de Kingdom Hearts não foi apenas conveniente, foi necessário. Naquele ano, a Nintendo havia anunciado o lançamento de três jogos de franquias de peso: Super Mario Sunshine, Metroid Prime e The Legend of Zelda: Wind Waker, todos para o GameCube. A Sony apostava todas as suas fichas em Rachet and Clank (e que é um jogo muito bom, diga-se de passagem) como lançamento principal, enquanto que Kingdom Hearts era a sua arma secreta, a resposta da Sony para aqueles que ameaçavam a sua liderança.
Além do alto investimento em marketing por parte da Disney, o que ajudou a consolidar o jogo nos EUA foi o time de dublagem, que contava com os dubladores originais dos personagens dos filmes e desenhos. Para os personagens criados exclusivamente para o game, foi convocado um elenco de atores hollywoodianos para a dublagem. Haley Joel Osment, o menininho do filme Sexto Sentido (eu vejo gente morta!), empresta sua voz para Sora, o protagonista do jogo, enquanto que o ator Billy Zane (o noivo da Rose, em Titanic, antes do DiCaprio aparecer…) dubla o personagem Ansem, o vilão da história. As vozes conhecidas serviram para passar uma sensação de familiaridade para o público, algo que a Disney já fazia há anos em seus filmes.
O segredo do sucesso: simplicidade
Superficialmente falando, Kingdom Hearts é um filme da Disney transportado para o mundo dos games de RPG. Os filmes são voltados para o público infantil, mas isso não impede que os adultos também gostem. O filme A Bela e a Fera, de 1991, por exemplo, é um desenho, é para crianças, mas também é saturado de drama, tem uma ação empolgante, romance, comédia e temáticas, às vezes, sinistras. Ele foi a primeira animação a concorrer como Melhor Filme na premiação do Oscar, só não arrecadou a estatueta por que era um desenho animado. Foi por causa desse filme que foi criada a categoria de Melhor Longa de Animação. Isso também ocorre em Kingdom Hearts.
O epicentro de toda a saga é o personagem Sora, com seu forte senso de amizade e sua capacidade de empunhar uma Keyblade, uma espada em forma de chave que proporciona um poder extraordinário ao seu portador. Sora é separado de seus melhores amigos num evento calamitoso. O garoto vaga por vários mundos em busca de seus amigos, para que assim todos possam voltar juntos para casa. Em sua jornada, Sora conquista novos amigos, preciosos aliados na luta contra as trevas que querem o separar de seu objetivo. Dentre esses aliados estão Donald e Pateta (Goofy, para os estrangeiros), que ao mesmo tempo em que ajudam o garoto, buscam pelo seu rei desaparecido, o próprio Mickey Mouse, que saiu em uma missão especial em busca do Kingdom Hearts, o coração de todos os mundos.
Essa é apenas a premissa da história. Muita coisa acontece no decorrer da aventura, de encontros e desencontros, dilemas morais e existenciais, auto-sacrifício em virtude do bem alheio, dentre outras situações emotivas que tendem a derramar lágrimas dos jogadores mais sensíveis.
Na próxima semana, nesse mesmo canal
Destrinchar Kingdom Hearts por completo daria cerca de uns vinte livros. Mas não fique triste, pois ainda não acabou. Na próxima semana, continuaremos com este especial de aniversário. Não perca: a chegada de Kingdom Hearts II ao PS2, os spin-offs para os portáteis, as polêmicas envolvendo a série e o futuro da saga. Aguardem!
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