Especial: O Amor e os Games

Não, o objetivo aqui não é te ensinar a conciliar sua vida amorosa com o seu amor pelos video-games. Muito menos tenho a pretensão de mo... (por Unknown em 29/01/2012, via PlayStation Blast)

01 Não, o objetivo aqui não é te ensinar a conciliar sua vida amorosa com o seu amor pelos video-games. Muito menos tenho a pretensão de mostrar a relação entre ser um gamer e ter, de fato, uma vida amorosa. Esse Especial está aqui para discutir como os video-games tratam o amor e as relações amorosas no geral, desde a tensa história de traição e culpa em Catherine até a devoção de John Marston à sua família em Red Dead Redemption, passando pela libertinagem em Grand Theft Auto e o conto quase abstrato de amor em Shadow of the Colossus entre outros. Confira em detalhes e aqueça essa pedra gelada no seu peito.

AVISO: esta matéria pode tratar de assuntos adultos e spoilers de diversos jogos.

Algo novo

Acreditem: retratar o amor e os relacionamentos nos video-games é uma coisa bastante nova. Antigamente, o máximo que você tinha eram as histórias de amor em Final Fantasy e afins, algo bem limitado aos JRPGs. Outros jogos mantinham-se naquela história básica de matar-pegar item-usar item-matar-sobreviver. Claro que haviam exceções, como a atração de Leon e Ada em Resident Evil 2, mas eram apenas exceções

De alguns anos para cá, no entanto, os games têm se tornado cada vez mais cinematográficos, assimilando elementos para suas tramas que outrora não faziam sentido ou não agradavam muito,como os relacionamentos. Convenhamos: relacionar-se com as pessoas não é fácil. Muita gente foge disso, por medo ou simplesmente não ter paciência para as dificuldades. Para que levar isso até os games, então? Resposta simples: para enriquecer a experiência. E vamos lá falar do que interessa.

Por amor

Em Grand Theft Auto IV, a meta do protagonista, Niko Bellic, é deixar para trás seus crimes, mas também vingar-se dos homens que o traíram, mandaram para a cadeia e causaram a morte de seus amigos. Foi a primeira vez que um GTA teve um protagonista com uma história de drama pessoal forte, com grandes questionamentos. Em diversos momentos, Niko mostra uma humanidade enorme, repleta de remorso, traumas e também esperança. Sua meta não é o amor, mas ele o encontra mesmo assim, ainda que seja possível para o jogador sair com prostitutas ou outras mulheres. O final, como era de se esperar, é trágico para Niko, e o jogo termina com uma nota de tristeza: afinal, o que o protagonista conseguiu depois de tudo?

Em compensação, em Red Dead Redemption, a meta de John Marston é o amor. Como um ex-fora-da-lei, John é chantageado pelas autoridades policiais dos Estados Unidos para livrar-se de seus ex-companheiros de gangue, sob a ameaça de nunca mais ver sua mulher e seu filho. Ele atravessa dois países, é baleado, luta contra as autoridades com o único objetivo de salvar sua família. Esse tipo de devoção é bastante comum no cinema: muitos heróis de filmes lutam pelo bem de seus entes queridos. Nos video-games, isso é muito raro, mas bem-vindo. É muito mais fácil identificar-se com o drama de John do que com o de Niko Bellic. E quando você finalmente cavalga na neve ao som da bela canção Compass, de Jamie Lidell, a caminho da família de John Marston, é perfeitamente possível sentir a emoção daquele momento, e a letra da música se encaixa como uma luva: "Agora eu sei que a única bússola de que preciso/É aquela que me leva de volta até você".

Outros jogos se utilizam do mesmo tipo de artifício para conectar jogador e personagem: Resistance 3 mostra Joseph Capelli atravessando os EUA dominado pela invasão das Chimera para oferecer uma esperança para sua família; Assassin's Creed II e seus "filhotes" contam a história da vingança de Ezio Auditore da Firenze pelo assassinato de seu pai e irmãos, entre outros.

Vincent Relacionamentos como peça-chave

Um rapaz sente-se preso num relacionamento. Numa noite, ele sai para beber e conhece uma linda garota loira que o seduz e eles acabam passando a noite juntos. Consumido pela culpa e dúvida, ele passa a ter sonhos assustadores, enquanto tenta equilibrar sua vida e decidir o que ele realmente quer. Parece história de novela, filme ou série? Essa é a premissa de Catherine, um dos jogos mais criativos e diferentes lançados em 2011.

O drama de Vincent é totalmente diferente do drama do protagonista padrão de video-games. Ele não é um guerreiro, não é investigador, não é um herói. Ele é apenas um cara confuso que cometeu um erro e está se arrependendo, e cabe ao jogador guiá-lo por essa jornada pela culpa (ainda que a culpa dele seja relacionada a um elemento sobrenatural). O jogo também oferece ao jogador uma série de escolhas, para que ele possa definir o final da história e resolver uma questão com a qual muita gente consegue se relacionar: o quão importantes são os relacionamentos, e até que ponto uma pessoa pode se negligenciar para beneficiar esse relacionamento?

Talvez a única falha nessa abordagem ousada e diferente que Catherine tem é que ela é muito voltada para um jogador que seja homem, jovem e heterossexual. Um exemplo disso: o único final em que Vincent decide buscar seus sonhos é aquele em que ele escolhe não ficar com nenhuma das duas mulheres.

O herói que pode amar

Mass Effect é minha franquia preferida no mundo dos games e se você lê minhas matérias, vai perceber que eu sempre menciono a série. Suas inúmeras inovações partem do princípio de fazer escolhas que impactam o Universo durante os próximos jogos da série, até a oportunidade de relacionar-se com outros personagens amorosamente. No primeiro jogo, haviam duas possibilidades para cada sexo de seu ou sua Comandante Shepard: um homem humano, uma mulher humana e uma Asari. Falarei mais sobre isso adiante. No segundo jogo, as opções se ampliaram, e agora era possível que um Comandante Shepard se envolvesse com uma boa diversidade de personagens de diferentes raças alienígenas.

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Não só o romance é possível, como se torna algo importante na história. Entre as missões, você pode ir até o interesse amoroso e conversar, flertar, e, ao final da história, ela ou ele tem um encontro mais "íntimo" com Shepard. Faz parte da liberdade oferecida pelo RPG e, principalmente, pelos jogos da BioWare.

A possibilidade de adicionar essa "camada" ao jogo, adicionar o peso de um relacionamento e uma motivação diferente é bastante atrativa e mostra exatamente onde o RPG ocidental se diferencia do oriental. As séries de RPG da Bethesda, como Fallout e Skyrim, oferecem a mesma liberdade, e incluem até o casamento.

Casos especiais

Existe também uma abordagem diferente do amor nos jogos. O Team Ico, responsável por Ico e Shadow of the Colossus, é mestre nisso.

ico Em Ico, a jogabilidade é guiada pela premissa de que o protagonista deve proteger Yorda, e eles andam de mãos dadas enquanto Ico tenta impedir que as criaturas feitas de sombra a levem embora. Em momento algum o jogo diz "esses dois personagens estão se apaixonando". É tudo feito de forma sutil, delicada e indireta.

O mesmo vale para Shadow of the Colossus, um jogo cuja história beira o abstrato. Não há basicamente nada que te dê uma base da história pregressa, apenas que o herói, chamado Wander, leva uma garota chamada Mono para um templo com o objetivo de ressuscitá-la. Tudo indica que Mono foi sacrificada em um ritual, por acreditarem que ela tinha um "destino amaldiçoado". Wander conta com a ajuda de seu cavalo, Agro, e mais ninguém.

Essa história simples, sem grande aprofundamento nos fatos, tornou-se uma das mais cativantes da história dos games. Embora os Colossi roubem a cena durante todo o jogo, a busca de Wander pela vida de Mono é definitivamente algo a ser notado e admirado, e pensar que ele arrisca sua vida repetidamente para salvá-la é emocionante e motivador. Você não precisa saber se eles são casados, ou se ele é apenas apaixonado por ela. Isso fica em segundo plano.

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Outro detalhe interessante em Shadow of the Colossus é a relação de amizade que o próprio jogador cria com o cavalo Agro. Ele é seu único companheiro, sempre fiel, sempre ajudando prontamente, num enorme mundo deserto, e no decorrer do jogo, você acaba sentindo uma genuína afeição pelo animal.

E o clichê

Vamos lá, nem todo jogo é tão ousado e criativo na sua forma de mostrar o amor. Em Uncharted, Drake tem um caso de atração e, ao mesmo tempo, repulsão com a repórter Elena, aos moldes dos relacionamentos de Indiana Jones. Em inFAMOUS, Cole tem uma namorada de longa data, que o repele quando descobre seus poderes, e cujo relacionamento pode ser melhorado ou piorado de acordo com as decisões tomadas, mas que serve apenas de forma instrumental na história.

São casos em que o romance é usado apenas como um ponto sem grande importância na história, e não como motivação. Isso não é ruim: é que o foco das histórias desses jogos é outro, e eles acham outras maneiras de te conectar com esses personagens.

Class-rogue Tabu

Eu mencionei antes que Mass Effect permite um tipo de relacionamento lésbico. Ainda que as Asari sejam uma raça unissexual (ou seja: são todas do mesmo sexo), o efeito é o mesmo. É disso que quero falar agora: homossexualidade nos games.

Não, isso não é algo comum, não é algo que se vê sempre, e isso se deve ao fato de que os video-games são planejados para um público majoritariamente masculino. Especificamente de homens jovens e heterossexuais. Esse público pode se incomodar com alguns assuntos, e, por isso, mulheres protagonistas são algo bastante raro, quanto mais um protagonista homossexual. Repare também na escassa quantidade de protagonistas negros. De cara, só consigo lembrar de um: CJ, de GTA: San Andreas. E não consigo evitar a ideia de que ele é negro para facilitar a “desconexão” do jogador com o protagonista, aproveitando-se dos preconceitos das pessoas para aumentar o fator sand-box do jogo.

E aí o RPG mostra sua importância para a inclusão e traz a possibilidade para que seu herói seja mulher, homossexual, negro, oriental, enfim... o que você quiser, seja ele uma representação sua ou não. Seu guerreiro em Skyrim pode ser guerreira, pode ser lésbica, pode ser até de uma raça meio felina. Seu Comandante Shepard pode ser SUA Comandante Shepard.

Quando foi anunciado que Dragon Age (outro título da BioWare) teria a possibilidade de um relacionamento homossexual, as reclamações dos fãs foram enfáticas, e a resposta também: "a BioWare não faz jogos para o jogador homem, jovem e heterossexual, ela os faz para todos", e não levanta bandeira nenhuma, apenas defende que todos merecem ser representados.

Seja correndo para salvar a galáxia ao lado da pessoa amada ou atravessando um país para salvá-la, o amor chegou para ficar nos games e, talvez, para lembrar aos fãs que é necessário viver um pouco além do controle de seu console preferido.

Revisão: Leandro Freire


Escreve para o PlayStation Blast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original do mesmo.
Este texto não representa a opinião do PlayStation Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original do mesmo.

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