Jogos com enfoque em investigação são uma raridade nos dias de hoje. Os adventures estão aí, mas com outras temáticas. Os jogos de detetives mais parecem jogos do BOPE, pois tratam-se de apontar e atirar. Então, em maio de 2011, surgiu L.A. Noire, uma esperança de jogos investigativos, prometendo um avanço na captura de movimento e muito mais história que ação. Nessa análise, você descobre se o tão falado L.A. Noire cumpre o que promete.
Para começar a falar de L.A. Noire, é preciso falar de hype. Esse monstro dos dias atuais engole alguns e alavanca outros, e L.A. Noire foi muito, muito hypado. Hype é quando todos falam a respeito, e criam expectativas loucas. Como eu ia dizendo, L.A. Noire foi muito hypado por ser um novo jogo da Rockstar Games (embora muitos fingissem que não soubessem que fora desenvolvido pelo Team Bondi, e apenas distribuído pela Rockstar) e por ser essa última esperança dos jogos investigativos. Pois bem, L.A. Noire foi lançado no dia do meu aniversário, então imaginem o quanto eu próprio estava nessa onda de "esse jogo será incrível".
Infelizmente, para mim, L.A. Noire foi um dos jogos engolidos pelo hype.
Uma história noir
O noir é um estilo bastante específico de livros e filmes criado nos anos 40 em Hollywood. Caracterizado principalmente pelo forte contraste de preto e branco (chiaroscuro, ou low-key) e um clima geral de desesperança e cinismo. Muito disso vem da parte mais literária do estilo noir, que recebe o nome de "hardboiled" (algo como "fervido em água quente", denotando o clima de tensão e corrupção policial nas histórias). O noir é sempre um drama policial, cheio de mulheres com segundas intenções (as famosas Femme Fatale surgiram desse estilo), policiais corruptos e heróis questionáveis.
L.A. Noire se inspira diretamente nesses filmes e livros, e traz a história de Cole Phelps, um veterano condecorado na Segunda Guerra Mundial que volta para os EUA e, com uma família formada, decide entrar para a polícia para fazer o bem (e para se redimir de seus erros durante a guerra, mas isso é segredo). Claro que naquela época (1947), a polícia de Los Angeles já era repleta de corruptos e o crime andava em alta. Phelps esbarra com isso durante sua subida nos degraus da hierarquia policial. O jogo apresenta quatro divisões dentro do L.A.P.D.: Tráfego (onde Phelps investiga casos de atropelamento, acidentes ou abandono de veículos), Homicídio (bastante óbvio, certo?), Vício Administrativo (tráfico de drogas) e Incêndio Culposo.
A premissa é maravilhosa, os personagens são bem delineados (embora meio pálidos e às vezes confusos) e os casos apresentam situações dúbias capazes de criar dúvidas em qualquer jogador experiente. Além disso, o formato quase serializado dos casos torna a história empolgante, e ao terminar um deles, sempre fica aquela sensação de "e agora, o que vem pela frente?", o que beneficia o jogo enormemente. Onde L.A. Noire erra? Principalmente nas suas resoluções.
O jogo desde o início dá a impressão de que tem um segredo por trás de tudo, e quando a revelação é finalmente feita (na verdade, as duas revelações), tudo soa meio "OK". Não é ruim, não é algo burro, é simplesmente algo sem impacto. A resolução do jogo em si também não cria a sensação de satisfação que normalmente se espera de um videogame, embora seja um final digno de uma história noir. O erro é justamente não perceber, nesse ponto, que isso se trata de um videogame e não de um filme, ou um livro.
Investigando
A investigação em L.A. Noire se dá através de três fases: pistas, encontradas nas cenas de crime e locais associados; interrogatórios de testemunhas, também encontradas nos locais ou quando levadas à delegacia e, por último, interrogatórios de suspeitos. É uma fórmula até que bastante repetitiva, mas muito boa.
Para encontrar as pistas, você pode acionar um alerta de som, que é combinado com a vibração do controle. Então Cole pega o item em questão, e você pode analisá-lo, virando com o analógico e focando nos pontos importantes. É assim que você encontra, por exemplo, o nome da fabricante de um aquecedor de água, ou um endereço de bar numa caixa de fósforos.
Os interrogatórios são também bem interessantes: usando o bloquinho de notas de Cole, basta escolher um tópico para abordar e aguardar a resposta da testemunha ou do suspeito. Graças à tecnologia MotionScan, as feições dos personagens são muito realistas e cada movimento, seja uma virada de olhos ou um enrijecimento dos músculos do pescoço, é significativo. Com base nisso, você decide se escolhe verdade, dúvida ou mentira. Dúvida normalmente serve para extrair mais informações, quando o personagem está dizendo uma meia-verdade. Mentira deve ser usado apenas quando você tem alguma prova da contradição. Esse sistema é ótimo, instigante e exige muita atenção, mas ao mesmo tempo às vezes parece ser na base da tentativa e erro.
Para ajudar em tudo isso, desde a localização das pistas até a escolha da resposta certa num interrogatório, existem os Intuition Points (Pontos de Intuição). Eles podem ser conseguidos através dos Crimes de Rua (leia mais adiante sobre eles), concluindo casos, descobrindo os pontos turísticos de L.A., e algumas outras formas. Basta selecionar no menu e usá-los para revelar todas as pistas, eliminar uma opção incorreta do interrogatório, ou mostrar a opção que outros jogadores escolheram (esse último necessitando, é claro, de conexão com a internet). O desempenho do jogador em casa caso é medido em estrelas, e o máximo são 5.
Não há muito do que reclamar. O único contra nesse ponto é que alguém com pouco conhecimento de inglês vai sofrer para entender o jogo e desvendar os casos, já que o jogo não tem dublagem, nem legendas em português do Brasil.
Não posso esquecer dos DLCs. São quatro casos, todos muito bons, e valem cada centavo gasto neles. Mas não se pode evitar de torcer o nariz para eles, já que agora foi lançada a Complete Edition do jogo, contendo todos esses casos extra. Quem comprou antes fica a ver navios, especificamente quem pagou pelo Rockstar Pass (um "passe" que dava acesso gratuito a todos os DLCs). Fica claro que nenhum outro será lançado e aquele dinheiro agora parece ter sido mal investido.
Com os DLCs, o jogo se aproxima das 50 horas de duração. Além disso, quando você não completa as 5 estrelas de cada caso, fica aquela vontade de voltar e tentar fazer certo. Uma vez feito isso, muitos (incluindo eu) não vão sentir vontade alguma de retornar e jogar novamente. E isso é piorado pela resolução insatisfatória da história do jogo.
Os chamados irritantes
Para um jogo focado em resolver crimes (que normalmente tocam o jogador, como uma mulher inocente, casada e mãe de família ser espancada e asfixiada até a morte), seria esperado que você tivesse de responder a chamados urgentes em seu carro.
Esses chamados ocorrem entre cenas de crimes, quando você está dirigindo de um lugar a outro. Eles dão início a pequenos casos isolados, como convencer um suicida a não se atirar de um prédio, impedir um assalto a banco e outras coisas do tipo. O problema aqui é que esses casos tiram a atenção da história principal e acabam quebrando um pouco o ritmo dela. Além disso, por mais que a cidade seja lindamente povoada e detalhada, é muito, muito chato atravessar a cidade para um tiroteio rápido e depois ter que voltar o caminho todo até a cena de um crime. Eles não são obrigatórios, e existe a opção de deixar o parceiro dirigir até o local indicado. Ainda assim é um ponto do jogo que atrapalha.
Aproveitando esse tópico: a ação de L.A. Noire é bastante satisfatória. O sistema de mira é bom (muito parecido com o de Red Dead Redemption) e o de briga mano-a-mano também não deixa a desejar. Inclusive uma das sequências mais empolgantes de ação acontece durante um caso da divisão de Tráfego. Basta dizer que ele lembra muito o estilo de Uncharted (com direito a um cenário que parece uma ruína antiga) e que isso mostra como o Team Bondi e a Rockstar se empenharam em tentar agradar a todos os públicos.
Completando o assunto, a movimentação de Cole durante perseguições e cenas de ação é bem direcionada. Outra semelhança com Uncharted: a câmera e o próprio movimento do protagonista de direcionam para o local onde você deve ir, facilitando muito todo o processo. É nesses pontos que L.A. Noire se destaca (e muito).
Mundo aberto...
Isso é um ponto positivo, certo? Errado. L.A. Noire não se beneficia do fato de ser um jogo de mundo aberto. A cidade de Los Angeles foi recriada à perfeição, com ruelas, becos, avenidas, locais marcantes e tudo o mais. O problema: em alguns casos é possível escolher a ordem dos locais a serem visitados, mas o jogo não leva isso muito em conta. Por diversas vezes, se você "errar" a ordem, o jogo vai se tornar meio incoerente, mas por outro lado ele também não te dá nenhuma pista de onde se deve ir primeiro. É uma questão complicada de roteiro truncado.
Outro problema está justamente na questão de andar por aí. Em L.A. Noire, você é um policial, então, não é possível atirar em pedestres. Não é indicado que você saia atropelando os pobres coitados, já que isso impacta negativamente o resultado dos casos. Ou seja: o que resta é dirigir de ponto A a ponto B. Seria ótimo explorar a cidade, se não fosse o foco do jogo na história. É o típico caso de querer atirar para todo o lado: existe o meio-termo saudável de história, exploração e ação, mas L.A. Noire não atinge esse meio-termo.
Quem joga esperando um GTA, se frustra. Quem joga esperando uma maravilha da investigação, se frustra. Quem joga esperando uma história rica, se frustra. A verdade é que o jogo seria mais interessante e fluido se não tivesse esse fator de mundo aberto.
Afinal, o jogo tem algo de bom?
Não entendam mal. L.A. Noire é um grande jogo, e dizer que ele é medíocre ou ruim é um exagero absurdo. Mesmo nesses defeitos apontados, existem qualidades que às vezes sobrepujam qualquer problema. A história é "OK", mas tem ótimos momentos (principalmente as transições de divisões na polícia) e reviravoltas que dão um fôlego novo, principalmente na reta final. Os chamados às vezes são irritantes, mas em outras são divertidos e adicionam outras camadas à história e ajudam a não cansar das fórmulas das investigações. E o mundo aberto se torna bem interessante em um determinado caso em que é necessário explorar vários cartões postais para encontrar pistas. Há falhas, mas o jogo tenta se "remendar". Em alguns casos, consegue e em outros, não, e então o "remendo" funciona ao contrário: chama a atenção para a falha.
Tirando tudo isso, L.A. Noire tem dois méritos enormes: a tecnologia MotionScan e a dublagem e trilha sonora. Sobre o MotionScan, imagens dizem mais do que qualquer palavra:
Sim, os rostos dos personagens parecem reais. E o jogo está repleto de atores bem conhecidos em séries de TV. Isso nos leva à dublagem. Nesse ponto, tudo é incrível: cada personagem tem sua voz, estilo de falar, sotaque, seu jeito próprio de responder às perguntas. E o mais interessante: alguns sabem enganar melhor quando mentem.
E, para completar, a trilha sonora serve duplamente bem: quando é necessário, a música se torna uma trilha propriamente dita, adequando-se e dando clima à cena. E em outros momentos, como no rádio, a música serve para fortalecer a ambientação, colocando você na Los Angeles do final dos anos 40. Essa ambientação, aliás, é um dos maiores trunfos do jogo (e de todos os jogos que envolvem a Rockstar, na verdade).
Prós
- Ambientação fantástica: você realmente se sente dentro de uma história noir na Los Angeles dos anos 40.
- Gráficos: tanto a captura inovadora de movimentos quanto os gráficos dos cenários e personagens.
- Sistema de interrogatório: instigante, amplificado pela excelência do MotionScan e pela riqueza de personagens.
- Investigação de cenas de crimes: outro ponto forte em que o roteiro se destaca. Antes de chegar a cada cena, é impossível não sentir um frio na barriga.
- Trilha sonora e dublagem: excelentes. Contribuem para a imersão do game.
Contras
- Resoluções falhas: o jogo cresce bastante, principalmente na história, mas no ponto em que deveria resolver os pontos chave, as explicações não empolgam.
- Tentativa e erro: alguns momentos do jogo parecem querer esse tipo de abordagem, que é o exato oposto ao que o jogo propõe.
- Ausência de traduções: 80% de L.A. Noire é diálogo. E tudo isso está em inglês, dificultando a vida de quem não sabe a língua.
- Chamados constantes: eles atrapalham o andamento das investigações e quebram o clima, mesmo não sendo obrigatórios.
- Mundo aberto: o que normalmente é um pró aqui se torna um contra. O foco na história de L.A. Noire é prejudicado pelo excesso de liberdade, somado a um roteiro mal amarrado.
- Poucas razões para um replay: terminados os casos, o fator exploração não é o suficiente para que você queira continuar.
L.A. Noire - Playstation 3 - Nota final: 8,0
Gráficos: 9,5 | Som: 9,0 | Jogabilidade: 8,0 | Diversão: 8,0
Revisão: Rafael Becker
Muito bom o seu texto, Leandro. LA Noire foi um dos poucos jogos "bons" que eu encontrei nesse ano. Confesso que me empolguei muito com ele e fechei toda a história em apenas uma semana. Devorei ele rapidamente e sequer percebi suas falhas. Passada a empolgação e o jogo finalizado, percebi que não tinha nenhuma vontade de retornar a ele, nem para completar os "chamados", nem nada. Foi aí que caí na real e percebi exatamente isso que você apontou aqui.
ResponderExcluirMesmo com seus 'probleminhas', Noire merece ser jogado e apreciado, minuto a minuto. Mas não se empolguem demais, pois, pra variar, vocês se frustrarão em algum momento.
Eu também devorei o jogo. Quando cheguei nos últimos casos, tava super empolgado. O final tirou completamente a minha boa impressão do jogo, e aí eu consegui olhar pra trás e ver como algumas coisas tinham me irritado no decorrer dele. Mas concordo, eu acho que ele merece ser jogado e qualquer um que goste de adventures e jogos de investigação vai saber apreciar os lados bons dele.
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